Um Lugar Silencioso: Dia Um | 2024
Vamos comer uma pizza antes do mundo acabar?
A cidade de Nova Iorque e suas nuances urbanas são um plano de fundo poderoso e muito explorado em Um Lugar Silencioso: Dia Um. O filme apocalíptico, dirigido e co-escrito por Michael Sarnoski, trata-se de uma prequel da franquia “Um Lugar Silencioso”, que conta com dois filmes lançados respectivamente em 2018 e 2020, dirigidos por John Krasinski, que também assumirá a direção do “Parte III”, previsto para ser lançado em 2025.
Sarnoski é um diretor jovem, interessado em abordar narrativas dramáticas que nos aproxima intimamente de seus protagonistas, assim como em “Pig” (2021), filme estrelado por Nicolas Cage, que fez seu nome ganhar certa visibilidade, onde ele passa por uma saga de vingança atrás de quem roubou seu porquinho de estimação farejador de trufas. Um protagonista durão, solitário e obscuro que vai sendo destrinchado aos poucos, trazendo grande carga emocional ao filme. Em Dia Um, temos em destaque a atuação de Lupita Nyong’o interpretando Samira, uma mulher também solitária que sofre com um problema de saúde grave e está sempre acompanhada de seu gato Frodo. Assim como o personagem de Cage, o de Lupita evita socialização, ela mantém certa aproximação com o enfermeiro da clínica onde faz tratamento, mas deixa claro que não é uma relação de amizade.
Enquanto Samira entra em um ônibus que a levaria de volta para a clínica, ainda chateada com seu colega enfermeiro por ser contrariada na ideia de parar na Patsy’s, sua pizzaria favorita na cidade, o céu sinaliza movimentos e ruídos estranhos. Com Frodo sempre junto a ela, mira o olhar pela janela e depois pelo vidro traseiro do veículo, se deparando com explosões e caos pelo centro de Nova Iorque. A partir daí já somos inseridos na realidade da invasão alienígena que assola cruelmente, em um cenário já completamente destruído e desocupado, os filmes anteriores. Sem muito interesse em ser explicativo, embora seja isto que geralmente se espera de uma prequel, Dia Um decide explorar a trama de terror sci-fi de forma mais sensorial e afetiva nesse início de acontecimentos e ataques.
Em poucos instantes as ruas já estão totalmente caóticas e devastadas, as saídas do metrô inundadas e as pessoas andando em bandos silenciosos ou escondidas dentro de algum abrigo urbano. Frodo, o gato, é trabalhado como um personagem dentro do filme, não só como um companheiro de Samira. Por vezes ele se perde, se separa da dona, se desloca pelas ruas sob ataque, onde restam poucos grupos de humanos à deriva. Certos momentos, passa por causalidades bastante improváveis, mas que a gente releva pelo poder carismático do bichinho. Em uma saída subterrânea cheia de água, Frodo encontra Eric (Joseph Quinn), um homem jovem, amedrontado e sozinho, que, poucos metros à frente, encontra Samira em um beco, remoendo ter se separado de Frodo. Se forma então um trio, acidental e desajeitado, que vai passar pelos terrores dos acontecimentos juntos daí por diante.
À medida que o filme avança, entramos mais na vida e no passado de Samira através da amizade que ela cria com Eric. Às vezes com ares de desapego à própria vida, a jovem com um diagnóstico pouco animador sobre sua saúde, resgata as memórias de seu falecido pai. Sem a necessidade de uso de flashbacks, o resgate é feito através da revisita à locais que fazem parte de sua memória afetiva e entre conversas longas e nostálgicas.
O filme volta a explorar as essências e símbolos nova-iorquinos. O diretor metaforiza um tanto sobre a paixão que a cidade desperta e o seu estado de decadência. A protagonista, que carrega uma bolsa escrito “I Love NY” à tiracolo e onde aloca Frodo, passa por um velho clube de jazz e relembra sua constante vontade de comer pizza, desejo que Samira atrela também a momentos importantes com o falecido pai. Incomoda um pouco saber que a referida Pizzeria existe de verdade, e é uma enorme rede que funciona desde 1933 na cidade, soando, por vezes, como pura propaganda embutida no filme.
Dia Um peca em alguns aspectos, principalmente se formos encarar como um tipo de filme que deveria trazer certas respostas que não encontramos nos dois anteriores; como a origem dos monstros, ou como foi descoberta a peculiaridade da não identificação das pessoas em silêncio pelos alienígenas. O longa faz um belo trabalho sonoro, inserindo ambientes como “bolhas acústicas”, sob a chuva, na água, com trovões e explosões, que fazem a obra crescer dentro do cinema. Visualmente bem fotografado por Patrick Scola, que trabalhou com Sarnoski em Pig, o longa consegue manter uma atmosfera densa, bastante empoeirada e decadente, mas cai, em seu terceiro ato, em um pieguismo melodramático que resulta em um desfecho previsível, emocionalmente apelativo e pouco criativo. Mesmo assim, como um todo, Um Lugar Silencioso: Dia Um segura a atenção, o visual dos monstros é atraente, e o blockbuster se sai bem em fundir a tensão de um cenário de fim de mundo, com uma jornada pessoal intimista, onde a atuação de Lupita faz toda a diferença.