Maxxxine | 2024

Maxxxine | 2024

O fim da trilogia anti-moralista e nostálgica de Ti West 

Ti West constrói uma trilogia que se presta a fazer homenagens a tempos e gêneros cinematográficos através de uma estética nostálgica e referencial, que conversa com as personagens femininas, desejosas por serem vistas, admiradas e famintas pela fama. Ser artista de cinema é o sonho de tantas garotas, não é mesmo? Pearl e Maxine não possuem qualquer dúvida: querem ser estrelas, nasceram para brilhar, e é isso. Os obstáculos a serem removidos não importam, as protagonistas de West são cheias de certezas e determinação.

Esse mesmo cinema de referências e homenagens, que não se preza a discuti-las, mas sim apreciá-las e usá-las como motivo e inspiração estilística, trabalha com gêneros marginalizados, relegados ao lugar da “não-arte”, como os pornôs e os filmes de horror, antros da imoralidade e da depravação. A trilogia composta por X – A Marca da Morte, Pearl, e Maxxxine se torna, para além de um cinema de referências, um cinema anti-moralista, que combate esse status de não-arte atribuído a tais filmes marginais. O apelo ao sexo e ao tesão caminha ao lado da repulsa e do medo, sensações naturais e primitivas que o cinema aflora nesses dois gêneros.

Na conclusão dessa sequência de três, temos Maxine (Mia Goth) já inserida no sistema de Hollywood. A protagonista é uma trabalhadora dedicada, que não descansa enquanto não puder abandonar as diversas funções precarizadas que assume (atriz pornô, dançarina de performance, performer de cabines de locadoras para maiores de 18) para se tornar uma estrela da cidade dos sonhos. Ela dispensa festas, trabalha duro, e não aceita menos do que julga merecer, tal como foi ensinada por seu pai. Quando sua sorte finalmente parece mudar, ela começa a ser perseguida por seu passado traumático, eventos ocorridos em X – A Marca da Morte: um misterioso homem deseja incriminá-la, o que finda por atrapalhar sua dedicação no trabalho que sempre sonhou. O seu objetivo se torna, então, fazer o que preciso for para eliminar o obstáculo representado por seu perseguidor, o detetive John Labat (Kevin Bacon). Concomitantemente, pessoas de seu círculo de amizade são assassinadas, e Maxine foge também da polícia que quer esclarecimentos sobre esse elo que ela representa em todos os casos.

Maxine se mostrou para nós, em X – A Marca da Morte, uma mulher que não teme e nem se envergonha em trabalhar na indústria pornô, se esse for o caminho a ser seguido até Hollywood. Lá, Ti West bem aproveita da temática erótica para trazer personagens femininas que emulam e que buscam prazer sexual na arte e na vida real, que não são agentes, mas receptoras das sensações. Em Maxxine, a personagem evolui por meio de um amadurecimento interessante, os resquícios de menina a abandonam, para torná-la uma mulher segura de si mesma, de seu talento e de sua capacidade, empoderada, dando conta de sua própria vida. Em que pese a obsessão pelo estrelato já tenha sido plantada no primeiro filme da trilogia, e a ideia de sê-lo custe o que custar existir, os acontecimentos desse último filme a fazem mais fugir e se defender, do que necessariamente remover tudo e todos de seu trilho. As circunstâncias ao seu redor, por mais trágicas, a favorecem como uma força do destino – ou, como uma intervenção divina.

Enquanto em X – A Marca da Morte Maxine agia, aqui ela só recebe as ações, o inverso da dinâmica sexual do filme anterior. O trauma não é exatamente a carnificina que presenciou, mas sim as mortes que causou – diga-se, dos assassinos de seus colegas. O medo da interferência do passado em seu presente de “quase sucesso”, a faz sofrer visões, flashbacks de memória e pensamentos que vão sendo mostrados como filmes rodando em sua cabeça.

Se pode incomodar Maxine sendo levada e beneficiada pelas situações (o que virá a ser justificado posteriormente pela dita intervenção divina), Maxxxine ganha pelas apuradas escolhas estéticas que faz. Certamente, Ti West constrói um visual muito bonito e aprazível, valendo-se das referências oitentistas ao cinema, à música e ao tempo histórico para envolver. O diretor consegue criar uma atmosfera que cativa pela nostalgia, no calor e na vibração da época, uma Hollywood bagunçada pela fama e pela violência. O apelo visual, que pode soar excessivo, funciona na medida em que fascina e é, notoriamente, trabalhado com esmero.

Aqui, a maior controvérsia de Maxxine, que incomoda naquilo que mais combate: o moralismo. Ti West vende o erótico como arte, mas peca na falta de erotismo, trazendo discursos demais e tesão de menos. Decepciona pelo discurso anti-moralista que não parece se concretizar, tudo é muito limpo, seja pela ausência de cenas de nudez ou sexo, seja pelo sangue contido, pela repulsa que não vem. Contudo, é interessante a ideia do vilão como o anti-moralismo personificado por um representante de igreja evangélica e pelas famílias de bem, que ao lutarem contra a depravação, criam uma seita assassina. Mas se o gênero clama e depende das sensações que cria, aqui, elas não são suficientes.

Há um ponto no último ato do longa que o faz assumir uma caricatura, uma linha de estranhamento que soa como se estivéssemos vendo outro filme dentro dele. Quando Maxine confronta, por fim, aquele que a persegue, chovem-se diálogos óbvios e perseguições esperadas, cujo desenrolar não surpreende. Os personagens de Michelle Monaghan e Bobby Cannavale tornam-se quase dispensáveis. Há, aqui, uma possível ideia de que, de fato, o que vemos é o filme do filme de Maxine. Não que isso precise, necessariamente, ser desenvolvido ou esclarecido, mas West só deixa a ideia solta, e não a dúvida, que poderia ser interessante.

Com personagens deliciosos, como os representados por Kevin Bacon e Giancarlo Esposito, esse último, agente de Maxine, Maxxxine não se propõe a discutir as referências cinematográficas que faz. Faz homenagens, as usa em prol de sua estética e apelo visual, que, como homenagem, funciona muito bem, criando uma aura calorosa pertinente. Como construção narrativa coerente com sua estética e temática, que lida com um universo amplamente erótico, sensual e sanguinário, de onde, inclusive, retira toda sua estratégia de marketing, peca por ser um anti-moralista um tanto puritano. 

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

    View all posts

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *