Radu Jude no 77º Festival de Locarno – Eight Postcards From Utopia e Sleep #2 

Radu Jude no 77º Festival de Locarno – Eight Postcards From Utopia e Sleep #2 

Após receber o Prêmio Especial do Júri no 76º Festival de Locarno, em 2023, com Não Espere Muito do Fim do Mundo, o diretor romeno Radu Jude retorna ao festival suiço com dois longas: Eight Postcards From Utopia e Sleep #2, ambos na mostra Fuori Concorso, direcionada a filmes de linguagem mais livre, uma zona de obras irrestritas e ilimitadas em termos de criatividade. Trata-se de documentários experimentais de pouco mais de 1h de duração, o primeiro, dotado da típica ironia de Jude na abordagem da sociedade e da história romena, e o segundo, uma homenagem curiosa ao artista visual e cineasta Andy Warhol numa espécie de observação do seu movimentado pós-morte no cemitério.

Em Eight Postcards From Utopia, codirigido por Christian Ferencz-Flatz, capítulos dividem recortes e montagens a partir de anúncios romenos pós-socialistas, trazidos no formato found footage, que mesclados remetem à ideia de uma sociedade utópica a partir da propaganda. Da debochada exaltação da origem romena e sua relação com o Império Romano (descendência real) a anúncios de sabão em pó e autodepreciação com relação a outros países da Europa, os diretores atribuem conexões temáticas e de imagem com um material totalmente desvinculado e livre, que soa como se tivesse sido encontrado por acaso no YouTube.

São oito os cartões-postais e, portanto, oito os capítulos, assim segmentados: History of the Romanians, Money Talk, The Technological Revolution, Magique Mirage, The Ages Of Man, Found Poetry, Anatomy of Consumption e Masculine Feminine. Desses recortes brutos que parecem impassíveis de qualquer nexo, os diretores constroem rimas visuais jocosas, moldando todo um pensamento social a partir daquilo que, através da televisão, as pessoas são induzidas e influenciadas. 

Programas de privatização em massa postos em contraponto ao que eles chamam de privatização da história da Romênia, anúncios bancários gravados inúmeras vezes em repetição até que se encontre a entonação perfeita para a cooptação do cliente, medicamentos, produtos de limpeza e alimentos ultra industrializados colocados todos no mesmo pacote (a propaganda de salsicha enlatada chega a ser depravada), anúncios que brincam com a realidade como uma abdução tecnológica em prol do consumismo, homens que bebem cerveja como patriarcas incontestáveis da família que querem difundir o “dia do homem”. Ao mesmo tempo que estabelecem duras críticas a esse sistema, conseguem criar uma poesia interessante e até afetuosa com publicidade de shampoo, sabonetes e produtos de beleza que induzem a estímulos sensoriais e gestuais, como o toque, o olfato, o paladar, a carícia, o prazer.

Sleep #2, por outro lado, é um experimento de Radu Jude da passagem do tempo e das quatro estações do ponto de vista da observação do túmulo de Andy Warhol, enterrado no Cemitério Católico Bizantino de São João Batista em Bethel Park, na Pensilvânia. Radu Jude inicia o documentário com uma frase famosa do próprio Warhol, “The most wonderful thing about living is to be dead”, para depois fixar sua EarthCam (uma espécie de rede de webcams espalhadas pelo mundo) de estudo a uma boa distância do jazigo, trabalhando apenas com zooms, com o movimento de abertura de lentes para estourar ou escurecer as imagens e com a saturação de cores conforme a estação. Contempla, portanto, o vai-e-vem de pessoas que passam para prestar suas homenagens com latas de sopa Campbell, flores, guirlandas natalinas, bandeiras da Ucrânia, cópias do Díptico Marilyn, ou apenas para tirar uma selfie sozinhas ou em grupo, e mesmo para realizar manutenção do espaço com a colocação de terra e replantios.

Sua homenagem, portanto, mais do que um estudo sobre turistas de túmulo, mostra-se uma reflexão sobre o legado do artista, sobre sua vida e sua morte, nessa câmera quase imóvel que por vezes encontra, através das captações de imagens noturnas, animais passeando e comendo do arbusto que cresce ao lado da morada de Andy Warhol, experimentando, com isso, as possibilidades de imagem proporcionadas pelo decurso temporal e climático: a grama cresce, as plantas florescem e secam, a chuva molha o jazigo e a própria câmera (ouvimos o som da água gotejando sobre ela), trovões e relâmpagos fazem por si só efeitos de contrastes de luz, pássaros voam sozinhos ou em bando, vem a nevasca e o cemitério todo fica coberto de branco, coroando o fim do experimento.

Eight Postcards From Utopia e Sleep #2 fazem parte da Mostra Fuori Concorso do 77º Festival de Locarno.

Eight Postcards From Utopia:

Nota:

Sleep #2:

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