Sulla Terra Leggeri (Weightless) | 2024

Sulla Terra Leggeri (Weightless) | 2024

A perda da memória num filme repleto de lembranças

Trabalhar o luto no cinema é um prato cheio de possibilidades. O corpo reage e se transforma ao trauma e pode responder com sintomas físicos, químicos e biológicos que afetam sobremaneira a vida que fica. Sara Fgaier escolhe a perda da memória súbita como reflexo ao choque da morte da esposa de seu protagonista, Gian (Andrea Renzi), que não mais reconhece seus familiares e não se recorda de nada que se relacione à falecida. A busca pelo resgate da memória virá por meio de fotos antigas que ele visita e por um diário de sua juventude, que ressurge e o insere em flashbacks que vão conduzir Sulla Terra Leggeri (Weightless). 

Passado e presente vão se intercalar. A diretora escolhe se alongar nas lembranças para poetizar e idealizar aquilo que passou, fazendo seu protagonista lidar com os amores que fizeram parte de sua história. Cada fotografia é uma memória que ganha vida, é uma mulher que ele amou incondicionalmente e que de alguma forma se perdeu. Representar o passado possibilita Fgaier a construção de imagens que permitem uma beleza mais onírica, cores mais ensolaradas, o foco em momentos especiais que serão recordados – e por isso, carregados de uma divinização exacerbada de amores e relações que não conhecemos muito bem. Quando retornamos ao presente, que obviamente é mais doloroso, parecemos estar num outro filme, não pela demarcação que facilita a localização do espectador, mas por falta de conexão com o passado bonito que vemos. Há uma obviedade nos personagens e em suas falas no presente que demonstram uma falta de interesse da diretora em trabalhar aquele núcleo.

Sara Fgaier parece não encontrar equilíbrio. Se há beleza em sua poesia amorosa na construção de planos, na experimentação de cores e texturas envelhecidas, com o uso da imagem footage, no transe que ela coloca os personagens através da música diegética, há excesso na trilha sonora não diegética que é dramática demais, desproporcional às imagens delicadas que compõe. Se consegue colocar os amantes do passado em um plano transcendental ao menos ali, na memória, onde as emoções são mais extremas do que, talvez, realmente tenham sido, há um endeusamento das musas que incomoda, que as torna perfeitas àquele homem que é desejado por todas. Esse jogo de deslocamento de tempos, de blocos de memória que vão se justificar sempre pelas fotografias ou pelo diário, fica cansativo e confuso, uma vez que as personagens do passado vão sendo inseridas sem muita justificativa – percebemos apenas que as atrizes mudaram. 

Há uma certa referência ao cinema de Richard Linklater e sua Trilogia do Antes. Os personagens amantes acabam de se conhecer, se apaixonam perdidamente, e resolvem se encontrar dali alguns meses na Tunísia (a diretora é ítalo-tunisiana). Se no filme de Linklater, vemos a conexão de Celine e Jesse lindamente florescer, aqui a paixão entre Gian e Leila não soa suficiente para justificar a promessa, e menos ainda, a reação à frustração que virá.

Sulla Terra Leggeri (Weightless) mostra-se pouco memorável para um filme sobre memórias. A falta de manejo e equilíbrio da diretora entre o onírico, o drama e o peso do luto deixam o amor todo fatigante, exagerado e desconexo. O presente, ao menos para nós, brasileiros, é a ponta que Maria Fernanda Cândido faz ao final da obra. Por fim, o peso carregado pelo protagonista é facilmente removido, e seu desfecho é tão frio que chega a inviabilizar o seu todo.

Sulla Terra Leggeri (Weightless) fez parte da Mostra Concorso Internazionale do 77º Festival de Locarno, e concorreu ao Leopardo de Ouro.

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