Prisão nos Andes | 2023

Prisão nos Andes | 2023

Uma sarcástica denúncia política

Assim como o Brasil, o Chile sofreu com uma ditadura militar. Em 1973 o general Augusto Pinochet aplicou um golpe de estado financiado pelos Estados Unidos da América. Foram 17 anos das maiores atrocidades contra a democracia, incluindo perseguições e assassinatos de opositores. Em Prisão nos Andes, primeiro longa-metragem dirigido por Felipe Carmona, estamos 40 anos depois desse acontecimento, quando cinco dos mais cruéis oficiais do exército de Pinochet estão na prisão, condenados a centenas de anos no cárcere por crimes contra a humanidade. Porém, afastando essa contextualização histórica do foco principal da narrativa, Carmona opta por trazer a ironia como ferramenta de aproximação entre o passado e o presente, afirmando que o fascismo no país (e no mundo) não está tão morto assim. Na verdade é alimentado às escondidas.

Essa localização temporal nos é dada em um letreiro antes da primeira imagem, revelando que tais criminosos vivem em uma luxuosa “prisão” aos pés das Cordilheiras dos Andes. O estabelecimento do absurdo já antes de qualquer coisa reforça o sentido sarcástico do diretor e roteirista no filme. São realmente guardas penitenciários que lavam, penteiam, vestem e fazem tudo que os ex-militares ordenam. Eles estão presos, todavia parecem estar hospedados em um spa de luxo.

O que guia o tom de Prisão nos Andes é a reviravolta causada por um desses golpistas ao dar uma entrevista a um canal de televisão evidenciando (sem querer) a posição privilegiada de todos eles, vivendo na bela paisagem, em uma mansão cercada pela floresta, com piscina e jardins, comendo do bom e do melhor, cercados por serviçais à sua disposição. Com o passar do tempo vamos conhecendo aspectos da personalidade desses homens e sentindo a crescente tensão que passa a se estabelecer no lugar à medida em que a opinião pública se revolta contra esse tipo de encarceramento.

Em comum, nenhum desses senhores aparenta ressentimento pelo que fizeram, pelo contrário, seus discursos são saudosistas e ainda enaltecem o militarismo e a ditadura. Por mais que representem figuras reais do governo Pinochet, Carmona não tem  preocupação em dar-lhes maiores contextualizações. O que lhe interessa é a construção peculiar de cada indivíduo, levando-os ao ridículo por suas ações, como os chiliques pela suposta falta de liberdade.

De início, há uma atmosfera mítica em torno dessas figuras, sempre iluminados de forma divinizada por tons dourados, como se fossem verdadeiras entidades. É assim que, pelo menos, eles se veem, pois ainda não desceram de seus pedestais de poder. Ao longo da projeção essa construção vai se desfazendo, assim como a farsa do sistema em relação à punição de seus famosos opressores.

Esse é o grande mérito da produção, que consegue tornar o humor cada vez mais obscuro, acompanhando a decadência dos personagens, além de ilustrar a loucura da realidade a partir de cenas que remetem ao nonsense do sonho/pesadelo. Esses momentos também trazem uma reflexão importante para o filme: a violência sem sentido que ainda se dissemina, mesmo que longe da ditadura, mas pelas entrelinhas dos discursos defendidos pelos que habitam aquele microcosmo social. Se o fascismo existe, é porque mentes fracas o alimentam e lhe dão suporte.

Prisão nos Andes é uma obra que foge da cátedra histórica, mas nem por isso deixa de debater História, conseguindo trazer à tona uma relevante preocupação com a nova ascensão do conservadorismo na América do Sul. As caricaturas nas atuações e a decadência da mise-en-scène propostas por Carmona são eficientes para evidenciar o absurdo político e as ameaças antidemocráticas que vivemos frequentemente. Cinco torturadores pseudo-responsabilizados por seus atos devem ser sempre motivo de indignação e um alerta de que o sistema ainda flerta com o fascismo de outrora.

Nota:

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