Os Recrutas de Londres | 2024
Os aliados brancos recrutados por Oliver Tambo contra o Apartheid
Oliver Tambo foi um dos líderes e ativistas políticos mais proeminentes da luta anti-apartheid na África do Sul. Durante os anos 60, 70 e 80, esteve à frente da presidência do Congresso Nacional Africano (CNA), principal movimento e partido representante dos interesses da população negra contra as consequências do colonialismo de povoamento que pregava a superioridade do colonizador sobre os nativos. Tambo foi exilado e permaneceu no exílio durante 30 anos, ocasião em que precisou trabalhar as mobilizações e estratégias do CNA à distância. No documentário Os Recrutas de Londres, o diretor estreante Gordon Main vai abordar o chamado de Oliver Tambo a jovens estudantes brancos que viviam em Londres para atuarem em uma missão secreta na África do Sul: a de espalhar mensagens de esperança à população negra segregada e oprimida.
O ato de espalhar ou transmitir mensagens, que soa simples num primeiro momento, se torna bastante desafiador num país tomado por um regime que proibia que pessoas negras e brancas ocupassem os mesmos espaços, e que violentamente reprimia e penalizava movimentos de resistência. O diretor vai elevar a importância dessa desconhecida missão de seu lugar de aliado branco, de forma a prestigiar a participação branca no embate contra a segregação, num formato documental que se alterna entre as clássicas falas e entrevistas daqueles que sobreviveram e vivenciaram o acontecimento histórico e a dramatização de sua ocorrência com atores e atrizes.
De fato, há de se reconhecer que a luta antirracista precisa de uma aderência abrangente de pessoas de todas as raças e etnias. Portanto, é de suma importância que se exalte os feitos de pessoas não negras contra o racismo, e aqui, especialmente, contra a segregação racial. O grande incômodo naquilo que é desenhado por Gordon Main em seu documento fílmico é que a participação desses jovens na tarefa convocada por Tambo vai ganhar um tom aventuresco, um incidente encarado como uma façanha comunista de estudantes ansiosos por um acontecimento emocionante. Enquanto pessoas negras eram assassinadas, oprimidas e marginalizadas todos os dias, cabia aos aventureiros viajar para explodir baldes para a disseminação dos panfletos, e enquanto não o faziam, aproveitavam seus espaços de privilégio, indo a restaurantes, passeando na praia, se hospedando em hoteis, flertando e vivendo seus amores. É cediço que, nesse caso, não cabia a eles mudar aquela situação, e que faziam suas partes da forma como lhes era possível. Porém, o diretor modula a representação desses acontecimentos com certa inconveniência, com desleixo ao real objetivo antirracista e anti-apartheid daquele múnus, priorizando a aventura em detrimento da luta.
O próprio Oliver Tambo, principal figura daquele momento que Os Recrutas de Londres retrata (o diretor, em mensagem pré-exibição do filme, diz tratar-se de um filme sobre Tambo), fica esquecido no decorrer da narrativa. Outras pessoas negras ali estampadas não possuem qualquer espaço significativo. Quando os jovens já estão em vias de executar a principal parte da missão, há menção de uma camareira, uma mulher negra, que acaba por adentrar o quarto de hotel em que eles estavam hospedados e testemunhar os panfletos e explosivos caseiros espalhados pelo espaço. O tratamento dessa personagem, ficticiamente representada na dramatização, a faz muda, medrosa, oculta nas sombras, e os jovens se comunicam com ela quase como se ela não compreendesse o que eles tinham a dizer. Outra personagem trabalhadora do hotel, uma mulher negra com quem eles têm algum contato, menciona que gostaria de ver “todos os brancos de gargantas cortadas”. O filme reage a tal pensamento, violento, porém totalmente compreensível naquele contexto, com bastante indignação, a ponto de um dos entrevistados recrutas, já na atualidade, exaltar a importância de seus feitos (os dizeres “E nós? Nós não somos racistas!” são difíceis de ouvir), como se fosse inconcebível aquela mulher incluí-los em seus desesperados desejos.
Oliver Tambo, impossibilitado de estar em seu próprio país, agiu com genialidade nas pequenas, porém significativas estratégias para que sua mensagem de resiliência chegasse até o povo, para que soubessem que desistir não era uma opção válida. A atuação de pessoas brancas nesse esquema era substancial para que o líder tirasse proveito das fraquezas do próprio regime. A empolgação jovial, heroica e ingênua com que tudo é retratado, entretanto, enfraquece a própria missão, retirando-lhe a importância e amenizando os nefastos efeitos que o Apartheid causava na população negra. Os Recrutas de Londres é quase que um grito que pede atenção aos riscos (não se nega) a que se submeteram tais estudantes brancos, mas é inevitável a comparativa às ameaças concretas que a população negra vivenciava rotineiramente. Gordon Main tornou cool a jornada de viver perigosamente dos recrutados.