O Dia Que Te Conheci | 2024
O amor ao cinema “simples”, cotidiano e afetivo direto de Minas Gerais
Partindo de um ponto de vista sempre muito humano, André Novais Oliveira começa seu novo longa sem pressa, munido de uma trilha sonora instrumental original, que por vezes (e não por acaso) até destoa de suas cenas, embalando diálogos mudos entre os protagonistas. O Dia Que Te Conheci é carregado por ares frescos, melancólicos e românticos, que dialogam, em certo grau, com o movimento da nouvelle vague, ante a valorização das impressões cotidianas consideradas banais, brincando com a linguagem e trazendo a importância das impressões pessoais dos personagens acima da lógica exata das cenas.
O longa nos introduz à rotina do bibliotecário Zeca, interpretado pelo ator Renato Novaes, que é irmão do diretor. Ele faz um esforço descomunal para conseguir levantar cedo e manter a pontualidade em seus compromissos de trabalho longe de casa, pedindo repetidas vezes ao amigo que mora com ele que faça de tudo para acordá-lo, mesmo que pela manhã ele diga que isso não seja mais necessário.
O cinema proposto por André Novais, um dos membros da produtora mineira originária da cidade de Contagem, Filmes de Plástico, que também foi responsável pelo lançamento de seu longa anterior, Temporada (2018) e pelo aclamado Marte Um (2022) de Gabriel Martins, carrega um viés inovador, que mostra interesse em sair do lugar-comum do cinema contemporâneo brasileiro, trazendo novas perspectivas à cinefilia nacional, desde o uso de um tom mais experimental, como em seu curta-metragem Fantasmas (2010), até em uma abordagem mais próxima da linguagem comercial das comédias românticas, como faz agora em O Dia Que Te Conheci; filme que teve ampla circulação em espaços como a 47ª Mostra de São Paulo, o 25º Festival do Rio, a 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes e o Festival de Mar del Plata.
Ressaltando o protagonismo negro em seus filmes e evidenciando o valor das pessoas pretas dentro da narrativa, desde a escolha do elenco, até os recortes de suas histórias cotidianas, o diretor pincela críticas e mostra micro realidades de quem vive sob a ótica de uma constante batalha por conscientização racial. Como quando em uma conversa despretensiosa entre o protagonista e a mãe de uma das crianças que é frequentadora assídua da biblioteca da escola onde Zeca trabalha, parados em frente a um grande muro todo ilustrado com personalidades mundiais; a mãe da menina, uma mulher branca, tem facilidade em reconhecer a maioria dos rostos ali, mas não consegue reconhecer o de Malcolm X, por exemplo.
Zeca, dentro do contexto de sua profissão, acaba conhecendo Luísa, interpretada por Grace Passô, atriz que já havia trabalhado com André Novais em Temporada, e, após saber por ela que perderia seu emprego na escola onde ambos trabalham, acaba passando o resto do dia com a mulher que também lhe ajudaria a compreender porque seu sono andava pesado demais, lhe causando constantes atrasos e prejudicando seu emprego.
Uma relação de carinho, empatia e cuidado vai se formando entre dois colegas que pouco se conhecem, mas que se acolhem em suas dificuldades mais profundas, depois de uma cervejinha a dois e conversas que se desenrolam na praça. Quando pensamos em comédias românticas, nos vêm à mente certa leveza, risos e sensações de afago, logo, O Dia Que Te Conheci se torna uma obra que é um grande abraço na dor do outro, que proporciona momentos descontraídos baseados em situações corriqueiras, mas que traz um miolo cheio de momentos de melancolia, explorando modos de lidar com ansiedade, depressão e solidão.
O filme não foge de mostrar mazelas sentimentais profundas e questões existenciais da condição humana dos personagens, do cidadão comum, do trabalhador de classe baixa, que encara todo dia o transporte público e que percorre longas distâncias para poder trabalhar no caos de uma cidade grande. Sem fazer um dramalhão com isso, ele escolhe usar de uma extrema sensibilidade narrativa através da introspecção de Zeca e do carinho e acolhimento de Luísa.
A direção, além de expor certo desconforto racial, evidenciando um atrito nas relações inter-raciais em contraponto com a harmonia das relações entre pessoas negras, dá enfoque na beleza e na naturalidade de seus personagens, trazendo para o centro de seu filme corpos livres, fora do padrão, pessoas feridas, tímidas e um tanto desesperançosas, mas que acabam se mostrando abertas ao amor. Quando Zeca abre sua casa para Luísa e a convida para entrar, nos sentimos tirando os sapatos junto com ela, que se espalha pelo sofá da sala e depois de mais um copo de cerveja, se sente à vontade para explorar os outros cômodos da casa alheia.
O fato de vermos em tela, e de maneira tão singela, um romance que surge naturalmente entre Zeca e Luísa, abrilhantado pela performance bastante comovente desses dois grandes atores, em uma obra que consegue militar sem ser didática ou panfletária, não caindo nas margens mais superficiais de seu discurso, aquece o coração do espectador. A fotografia procura focar nos detalhes, cheia de close-ups que dialogam exatamente com a riqueza que André Novais quer nos mostrar em O Dia Que Te Conheci; a preciosidade das pequenas coisas e dos momentos que acabam passando despercebidos na correria da vida cotidiana.