Sofia Foi | 2024
Entre a falta e o permanente, o retrato de uma geração desesperançada
“Repara bem no que eu não digo”. A frase de Paulo Leminski parece encaixar-se demasiadamente bem ao falarmos sobre o filme Sofia Foi, dirigido por Pedro Geraldo e protagonizado por Sofia Tomic.
Durante seus 67 minutos, somos convidados a uma imersão quase que completamente silenciosa na vida de Sofia. O título da obra chama atenção e serve como farol: sem explicações detalhadas, aproximamos-nos de Sofia, mas sem saber muito de sua personalidade e demais aspectos de sua vida. As cenas, filmadas quase sempre a partir de uma câmera fixa e muitas vezes “cortando” partes do corpo da protagonista, explicitam a falta. O que foi, já não mais é. E o que ficou? Fica a solidão, a saudade, a angústia e a possibilidade de auto reflexão acerca do seu papel no mundo e seu papel diante das outras pessoas.
Aos poucos, ao espectador é permitido desvelar a personagem principal, ainda que, mesmo quando chega-se ao fim do filme, estejamos, mesmo, na superfície. Sofia apaixonou-se; perdeu uma pessoa próxima, acometida pela febre amarela; saiu de casa, teve um cachorro e é tatuadora. Nada muito além é sabido e, para impactar quem assiste, talvez nem se precise, mesmo, ir além.
O cenário escolhido por Pedro Geraldo, e que serve de pano de fundo para a narrativa, é interessantíssimo: a Universidade de São Paulo, apresentada como palco de uma geração que parece estar perdida, atônita. Pudera. A Universidade, apresentada como espaço estéril e testemunha dos “tipos” dos mais variados, também sofre suas perdas (o desmonte é notório), é alvo de ataques e, ainda assim, consegue albergar diversas vidas de jovens desesperançados que, nela, veem, ao menos, um espaço que lhes sirva de abrigo por alguns anos.
O fato de Sofia ser tatuadora é especialmente interessante, uma vez que o filme perpassa, suavemente, por suas perdas e as faltas que ficaram, mas faz com que a protagonista tenha como profissão algo que deixa marcas definitivas nas pessoas. Em cena bem delicada, Sofia, em momento de ternura e romance, marca o tronco de uma árvore com um coração, sinal que ficará perpetuado, mesmo que o tempo passe, as faltas venham e a dor surja.
Em uma das raras cenas em que há um diálogo entre personagens, Sofia encontra um outro estudante da USP e, da interação, desvela-se o que parece ser mais uma “peça” dessa narrativa: a reflexão acerca das escolhas de Sofia (e se seriam escolhas, de fato).
Não raro, pensa-se na perda como algo que não se pode fugir, uma espécie de fardo do qual é impossível desviar; e que não haveria, propriamente, um busca pela solidão. Há duas cenas fundamentais no filme, que indicam haver outras possibilidades para Sofia, que não tão somente a solidão e a falta: a ligação de um amigo, que lhe oferece a sala de sua casa como hospedagem; e a conversa da protagonista, durante a madrugada, com um outro aluno da universidade (alguém que posiciona-se, cenicamente, acima dela, adotando uma postura que se assemelha, de alguma medida, a um oráculo/mestre) em que, após Sofia afirmar que “não sabia se, no dia, havia ganhado mais dinheiro fazendo tatuagens do que gasto”, é confrontada com sua posição de privilégio, posto que, aparentemente, a questão “dinheiro” não lhe era algo importante.
O fato de a maioria das cenas não possuir falas, Sofia Foi, mesmo com sua curta duração, reflete em dificuldades de ritmo, soando modorrento em alguns momentos. No que concerne às atuações, Sofia Tomic confere à Sofia uma naturalidade, uma intimidade com a personagem, que atribui ao filme um cariz até mesmo documental.
Estruturando-se a partir da falta e da solidão, Sofia Foi “nos diz muito a partir do silêncio”, trazendo a imagem de uma juventude que está cada vez mais sem encontrar o seu lugar no mundo e despossuída de algo que, se já teve, agora é memória ou sonho.