Betânia | 2024

Betânia | 2024

O vento que move a areia e o destino dos maranhenses

Betânia, segundo longa-metragem de Marcelo Botta, e o primeiro que assina sozinho roteiro e direção, começa bastante envolvente, com imagens belíssimas e um ritmo bem definido, usando a fotografia para engrandecer as belezas naturais e a trazer um olhar contemplativo à rotina difícil de seus personagens no nordeste do Brasil. Botta conta a história da personagem-título, cujo nome faz referência a um vilarejo em Santo Amaro do Maranhão, para nos introduzir ao universo de um povo que vive de forma simples e, ainda hoje, têm pouco acesso aos avanços tecnológicos, é guiado pela fé e regido pela tradição do Bumba Meu Boi

O filme nos dá uma aula sobre o Maranhão, fala das riquezas e mazelas de pessoas que estão à mercê da força da natureza, do vento que move as dunas de areia, das dunas que fecham o curso dos rios nos Lençóis e que destroem casas. O diretor nos passa sempre a ideia de um lugar completamente metamorfo, em constante movimento, e mostra que os que ali vivem precisam estar preparados, de certa maneira, para lidar com situações imprevisíveis. Vemos muitos planos abertos, filmados de cima, onde entra em destaque o som do vento que levanta lentamente os grãos de areia, as movendo para novos rumos. Há uma dicotomia entre a relação homem-natureza, que se sustenta da pesca local e posteriormente do turismo pelas dunas e lagos, mas que se aflige com falta de energia elétrica e com uma constante preocupação a respeito de suas condições de moradia.

Dona Betânia, interpretada por Diana Mattos, é uma parteira que perdeu seu marido e sua filha mais velha precocemente. Perdas essas que carrega com dor nos olhos, mas que não a afasta da família que lhe resta: seu cunhado Tonhão, viúvo de sua filha e seu neto Antônio Filho, que cresceu sem chances de conhecer a mãe, mas que é criado por ela como um filho. O longa é todo entrecortado pela dor que a protagonista sente e por seu luto, e cria certo suspense no desenrolar dos acontecimentos sobre seu passado, por vezes isso é posto de forma truncada, prejudicado por uma montagem um pouco dissonante. 

Betânia perde seu bom ritmo depois da primeira hora e gasta muitos momentos com cenas repetitivas, seja de trechos de cantorias ou em partes expositivas demais de reafirmação de discurso. O que parecia, de início, um filme fluido e condizente em seu andamento, se torna cansativo ao tentar esmiuçar demais, por exemplo, o funcionamento do trabalho de guia turístico, em uma longa sequência de cenas em que Tonhão leva dois franceses a um trekking nas dunas, onde eles acabam se perdendo na imensidão branca da areia. Faltou sentido na relevância que o filme deu aos diálogos triviais entre os gringos durante o percurso e soou um pouco como uma espécie de propaganda dos serviços locais.

É interessante entender como a evolução tecnológica vai chegando ao interior do país e afeta toda a dinâmica de vida e de trabalho dos locais, trazendo dona Betânia para o centro de um choque de gerações. Ela luta para manter seu senso de identidade, quando diz: “Minha internet é a minha cabeça”, enquanto seu cunhado e sua neta, uma jovem de 20 e poucos anos, tentam explicar o que é o “aparelho que pisca”, o modem instalado em sua cozinha. A parteira, que, por conta de um incêndio acidental em sua casa, é forçada a se mudar para onde vivem suas duas outras filhas, em Betânia, lá ela tem seu primeiro contato com a água encanada, com o banho de chuveiro, abandonando o balde e a manivela de bombear água usada no seu dia-a-dia.

O elenco é bastante talentoso, composto por pessoas locais em suas primeiras experiências com cinema, isso faz do longa uma obra com olhar sensível à realidade daquela região. Um dos destaques do elenco é Tião Carvalho, músico maranhense de Cururupu. Ele é o grande nome do Bumba Meu Boi do Morro do Querosene. Um dos responsáveis por levar o Boi do Maranhão para São Paulo. A tradição do Boi dá liga ao filme, em cortes e cenas de festejos em torno da fogueira inseridas em diversos momentos, evidenciando uma devoção à tradição. 

Betânia nasce um filme forte, com uma protagonista que é a alma do filme, mas o encanto criado inicialmente se desfaz e o longa se torna uma obra um pouco didática e repetitiva quando trata das pautas sociais que considera mais importantes. Consegue pincelar ideias progressistas com um choque de gerações no interior maranhense, discute sexualidade através da personagem da sobrinha de Betânia, que confronta o tradicionalismo do pensamento religioso de sua mãe. Mas o filme usa um certo pragmatismo que destoa de seu tom inicial mais fluido. A condução dos acontecimentos acaba se perdendo nas ramificações narrativas, deixando algumas partes menos exploradas e outras expostas à exaustão.

Nota

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  • Jornalista carioca, editora e crítica de cinema. Tem foco de interesse e pesquisa em cinema de gênero e feito por mulheres.

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