Apocalipse nos Trópicos | 2024
O interesse de Petra Costa pelas manifestações da fragilidade da democracia brasileira se renovam conforme os próprios acontecimentos políticos transitam nesse caminho vertiginoso com uma velocidade assustadora. Em tempos de aparente calmaria pós invasão do Congresso Nacional e tentativa tão recente de golpe, e diante do que já vivenciamos nos últimos anos, ressuscitar e dar visibilidade à figuras que deram e dão azo ao caos e desafiaram as bases de nossa Constituição Federal mostra-se, inevitavelmente, doloroso, para não dizer exaustivo. De fato, memorar é fundamental, mas talvez essa seja uma lembrança muito recente para ser remexida. Afinal, continuamos fragilizados, e o fascismo é crescente a nível mundial.
Apocalipse nos Trópicos busca se aprofundar naquilo que vem caminhando ao lado do conservadorismo e do fascismo em nosso país: a influência da igreja evangélica na política. O filme é uma investigação interessante sobre uma tendência teocrática da política brasileira, um estudo sobre as raízes dessa crescente e sobre as perspectivas complicadas de um futuro que podem dela advir, ante o aumento colossal da dita bancada evangélica no Congresso Nacional e da presença de cada vez mais representantes do Poder Legislativo que são, também, líderes religiosos.
Em que pese haja um notório interesse da diretora quanto ao tema, suas origens familiares e sociais a mantiveram distante da realidade da presença das religiões nos lares brasileiros em geral. Petra Costa é honesta e não esconde esse abismo, mostrando esforço, através da já usual narração por ela mesma, para buscar compreensão daquilo que desconhece na interação com líderes importantes como Silas Malafaia e resgatar imagens feitas de Bolsonaro durante os anos que filmou em Brasília, antes e depois de sua eleição, passando, inclusive, pela pandemia. Ela chega a frequentar a casa e acessa a vida íntima do pastor-político que foi um dos responsáveis pelo crescimento do bolsonarismo, e ele abertamente fala sobre o poder de influência que exerceu e exerce como conselheiro e validador das ideias do ex-presidente inelegível.
Petra Costa, porém, está mais interessada em voltar esse estudo para si mesma, individualizando suas descobertas diante de uma realidade que não lhe pertence, do que democratizar suas escolhas. Aproxima-se perigosamente de líderes religiosos influentes, tornando essas figuras mais carismáticas do que já de fato o são, e é incontestável que o são. É fato que ela sabe valorizar as imagens poeticamente, mas corre o risco de embolar sua crítica para fazer o documentário caminhar para o inverso do que ela pretende.
A escolha de seguir de tão perto Silas Malafaia, sua rotina de trabalho, sua relação com a esposa, acompanhando-o enquanto toma café em sua casa, ou mesmo em seu veículo a caminho do Congresso Nacional, torna a figura do pastor cativante e simpática, o que soa controverso num filme que se propõe a levantar os problemas de uma possível teocracia política.
Nas mãos de pessoas que apoiam esse tipo de política que Apocalipse nos Trópicos condena, corre-se o enorme risco de validação de ideias, de uma inflamação de ânimos que não seria nada bem-vinda. Se a ideia é escancarar as fragilidades para causar atenção a uma possível ameaça de algo que se aproxima de uma teocracia, as escolhas da diretora que findam por humanizar os agentes desse risco são questionáveis.