O Brutalista | 2024
É, no mínimo, contestável julgar um filme pelas expectativas que ele cria ou pelas promessas que se fazem ao redor dele. Muito nos deixamos levar por estratégias mercadológicas, e apesar de fundamental o exame de obras cinematográficas pelo que elas nos apresentam como experiência fílmica e não não pelo que compramos preteritamente delas, é inevitável ao ser humano se frustrar. O Brutalista, novo filme de Brady Corbet protagonizado por Adrien Brody, fez repercutir que era grandioso e inovador, investindo na venda de um épico de 3h36min de duração. Recebeu o prêmio de melhor direção e da crítica no Festival de Veneza, alimentando e inflamando ânimos. Na 48ª Mostra, causou grande disputa de ingressos, contando com apenas duas exibições ultravalorizadas.
O Brutalista é grandioso. Mostra-se como um episódio histórico que narra a trajetória de László Tóth (Brody), um aclamado arquiteto húngaro, judeu, que vê-se obrigado a migrar para os Estados Unidos durante o pós 2ª Guerra Mundial, em 1947. Numa terra onde não é bem recebido, nem bem-vindo, outro caminho não encontra que não o da miséria, do trabalho precário, das moradias coletivas e dos vícios em opioides, os únicos oferecimentos daquilo que seria o sonho americano. Ele é descoberto pelo magnata Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), que o contrata para idealizar um empreendimento ousado, uma espécie de espaço multifuncional em homenagem à sua falecida mãe, confiando nas veias artísticas e visionárias de Tóth.
O título é derivado de um movimento e estilo arquitetônico que surgiu na Europa após a 2ª Guerra Mundial denominado brutalismo, tipificado pelo uso de concreto bruto e exposto, que conferia aos empreendimentos uma aparência robusta e vigorosa, valorizando a expressão natural dos elementos estruturais, sem floreios e ornamentos. Para muito além da ideia de enaltecimento dos materiais, o contexto pós-guerra acompanhava uma Europa parcialmente em ruínas, o que exigia reconstrução rápida. O brutalismo atendeu essa necessidade mais urgente, imprimindo um estilo arquitetônico de renovação. Vê-se que o proveito do período histórico beneficia tanto a caracterização do personagem de Tóth como um arquiteto dominante dessa estilística e sua jornada épica de superação, quanto foi muito conveniente para a escolha de um título muito chamativo, que auxiliou, certamente, na formação de imaginários especulativos.
Para uma narrativa fílmica que se apega a um movimento arquitetônico importante como mote para sua construção e elaboração de personagem, a frustração primeira em O Brutalista é vislumbrarmos tão pouco dessa visão. A extravagância idealista do protagonista, que afronta a lógica de construção e estilo dos profissionais estadunidenses, parece ficar limitada a ele mesmo como pessoa. Se a princípio o que chama a atenção do magnata (numa interpretação horrível de Guy Pearce) é a inovação que ele faz em sua biblioteca, cuja representação é, de fato, um deleite visual, porque ali ainda se via como possível a imposição da personalidade do artista, a construção da obra que tomará o restante do longa trará muito pouco do mesmo prazer. A concentração do diretor numa espécie de “montanha-russa” de queda e ascensão do protagonista, conforme as vontades e impulsos de seu financiador, retira um tanto do potencial visual que o filme parecia querer mostrar.
Quando o arquiteto se deixa levar por uma certa insanidade que o faz insistir num projeto repleto de obstáculos que soa inexequível, Brady Corbet tenta justificar essa insistência em um propósito maior, buscando aguçar uma curiosidade sobre os motivos pelos quais Tóth submete-se à pessoas e situações que lhe são desfavoráveis, como, por exemplo, abrir mão de seu pagamento em prol da não modificação de seu plano original (o que é, diga-se, estranha e tranquilamente aceito por sua esposa, pessoa com deficiência e necessitada de medicamentos específicos e cuidados constantes). Os fundamentos em si serão revelados pelo diretor no epílogo, e estimulam e surpreendem levando em conta o posicionamento social e político do arquiteto inserido naquela sociedade que somente o explora. Tudo é elaborado como uma reparação histórica que ele, como ex-confinado de campo de concentração, pôde oferecer como subversão por todo abuso que sofreu na América que supostamente deveria lhe propiciar uma vida digna. Ideal e tematicamente é muito interessante, mas a construção de Corbet, que é muito convencional, transforma o trunfo de seu filme em algo incapaz de gerar muitas sensações, em que pese o apelo.
É preciso dizer, ainda, que é um tanto exaustivo que personagens negras sejam inseridas nas narrativas como meros amparos dos protagonistas e suas jornadas, ou indicadores de suas moralidades. Em O Brutalista essa tática ofensiva se repete. Tóth tem na amizade com Gordon (Isaach De Bankolé) um grande apoio, seu braço direito tanto na pobreza, quanto no conforto. E apenas isso. É Gordon quem, cumprindo com os estereótipos, vai fornecer opioides ao arquiteto e com ele compartilhar o vício. À Bankolé, serão destinadas poucas falas, bastando para o diretor, sua presença ao lado do protagonista, como reforço de um eventual posicionamento antirracista. Gordon será dispensado e contratado à mercê da vontade do magnata, não possuindo qualquer poder de oposição ou força, ocupando um lugar conformista muito incômodo e pouco relevante.
A longa duração de O Brutalista não custa a passar. Na realidade, a inclusão de um intervalo mostra-se mais um recurso para a venda de um épico estrondoso que necessita de respiro, do que de fato uma necessidade da obra, porque ela flui. O filme é grande por suas dimensões e por exigência do próprio gênero, sabendo impactar quando aposta nessa grandiosidade e quando se apega menos aos personagens e tramas que vão se acumulando. A falta de propósito desse acúmulo e a gradativa perda do esplendor o vão enfraquecendo em seu decorrer. Brady Corbet está muito distante de ter construído um clássico, e outrossim, muito longe de ter feito um filme ruim. Por mais que seja injusto dizê-lo e valorar um filme por suas expectativas, a decepção sentida muito decorre da falta da áurea de brutalidade e insanidade imagética que ele permitiu fosse construída ao seu redor.