Palazzina LAF | 2023
Uma tentativa felliniana
Federico Fellini foi um dos grandes cineastas da história, notabilizando-se por um realismo fantástico que trazia os sonhos para adornar questões sociais, relações de classes e dramas existenciais. Certamente, foi uma escola para muitos outros criadores do cinema italiano, como Michele Riondino, ator, diretor e roteirista de Palazzina LAF, filme inspirado em fatos reais que tenta seguir os caminhos fellinianos para nos apresentar a exploração do trabalho em uma das maiores siderúrgicas da Europa nos anos 90.
Caterino Lamanna (Riondino) é mais um entre tantos operários que passam por jornadas exaustivas de trabalho para conseguirem o mínimo de subsistência. Mas, mesmo inserido nesse contexto, ele é um personagem ingênuo e individualista, não pensa na condição proletária a partir da coletividade, inclusive critica a união sindicalista. Seu trabalho é ruim, ele sabe, mas não tem pretensões de maiores movimentos de mudança. É justamente por isso que se torna presa fácil de seu chefe, Giancarlo Basile (Elio Germano), que busca alguém para se tornar um espião e relatar-lhe tudo o que planejam os funcionários da empresa em troca de promoções trabalhistas.
Seguimos, então, a trajetória desse sujeito sem consciência, construído de forma caricata, que fica imensamente feliz por suas novas funções longe das máquinas e que não se constrange em delatar seus colegas que lutam contra a opressão. Isso até o momento em que conhecemos um misterioso setor da siderúrgica conhecido como Palazzina LAF. É aqui que as relações com seus colegas ficam mais complexas e Caterino se torna testemunha das artimanhas da burguesia.
Na LAF, os trabalhadores são enviados para não terem o que fazer. Todos aqueles que de alguma forma questionam as ordens da chefia ou a exploração sofrida são transferidos para lá, um lugar que mais parece um limbo empregatício onde todos são torturados pelo ócio até que peçam demissão ou aceitem rebaixamentos de funções. É nesse lugar, por exemplo, que habita Renato Morra (Fulvio Pepe), líder do movimento sindical que planeja denunciar a siderúrgica para as autoridades.
É nesse ponto que Palazzina LAF descamba ao seu encontro felliniano com a fantasia. Naquele setor, os trabalhadores agem feito loucos, gritam, pulam, brincam de pega-pega, ou seja, estão entregues à tortura psicológica que lhes foram impostas. De início, Caterino gosta de estar lá e parece ser a pessoa mais sensata do lugar, mas não dura muito tempo. Mesmo que nasça uma breve consciência de classe, Riondino não abre mão da ingenuidade de seu personagem, levando-o até o fim como alguém que não se vê como parte do sistema opressor, mas um mero funcionário obediente.
Na tentativa de explorar o sonho para apresentar uma situação real, aos moldes de Fellini, o filme perde sua mensagem principal com relação à exploração trabalhista. O cineasta até cria momentos interessantes de tensão com a espionagem de Caterino e as ameaças que representa, mas são pouco desenvolvidas e não têm força suficiente para fechar o arco dramático. O ambiente infernal da Palazzina LAF se desfaz com muita facilidade com a chegada do Ministério Público para uma fiscalização que leva todos ao tribunal. Mesmo sentado diante de um juiz como testemunha do comportamento da empresa, Caterino Lamanna não se solidariza plenamente com seus colegas, pelo contrário, pergunta quanto vai receber por ter exercido sua função.
No fim, os trabalhadores são colocados como massas inertes que pouco fazem e mais parecem zumbis. A caricatura lhes retira a força de resistência e a inteligência, tornando até mesmo o acanhado líder sindical em uma figura risível e pouco significativa no filme. Por mais que haja vitória por parte dos operários, ela vem a partir de uma força exterior que parece não ter ligação com eles, e, mesmo assim, não apresenta resultados relevantes àqueles que eram oprimidos. Lamanna é equiparado a Judas, mas pouco ou quase nada os fatos que viveu lhe causam alguma reflexão sobre sua condição.