O Clube das Mulheres de Negócios | 2024

O Clube das Mulheres de Negócios | 2024

Uma sátira moderna “contra tudo isso que está aí

Recentemente, em uma rede social aqui no Brasil, surgiu um trending topic (conteúdo que se torna popular na internet, sendo reproduzido por muitas pessoas) chamado “machismo reverso”. Inspirado no tópico que ganhou proporções mundiais através do TikTok com o nome de “women in male fields”, onde diversas mulheres compartilharam falas e comportamentos machistas e tóxicos que sofreram saindo com homens, mas como se fossem cometidos por elas, fazendo assim, uma inversão de gêneros em cada relato. O nome da trend brasileira satiriza com o termo que muitos homens atribuem ao feminismo. O Clube das Mulheres de Negócios, novo longa-metragem dirigido por Anna Muylaert, é uma grande caricatura dessa realidade, ambientado em um mundo distópico onde os estereótipos de gênero estão invertidos, as mulheres são colocadas em posições de poder e os homens como submissos à elas.

Somos apresentados a um grupo de mulheres em um luxuoso clube de campo em São Paulo, sentadas ao redor de uma grande mesa de reunião. De pronto, percebemos o ambiente nocivo e soberbo dos magnatas políticos, com trejeitos facilmente identificados em bolsonaristas e seus aliados. Com elenco principal composto por importantes nomes da teledramaturgia brasileira, como Grace Gianoukas, Irene Ravache, Louise Cardoso e Cristina Pereira, o longa adentra no universo dos grandes jogos de poder, da corrupção e dos comportamentos abusivos.

É constrangedor assistir a uma sucessão de piadas asquerosas, que feitas por homens já são péssimas, mas penso que a diretora quis ampliar essa percepção, quando atrela tais comportamentos à figuras femininas. É extremamente repulsivo, por exemplo, ver uma cena de abuso sexual protagonizada por um homem, porém (infelizmente por sua grande recorrência), choca ainda mais quando a abusadora é uma mulher. Dessa forma, coloca-se em evidência aos próprios homens suas terríveis condutas normalizadas pelo senso comum do patriarcado. 

Esse é o ângulo que O Clube das Mulheres de Negócios usa para todas as situações, as de abuso ou as de hierarquia, com empregados homens servindo drinks ou fazendo faxina para as mulheres. Assim como na trend da internet, quando homens leram coisas tais como: “Numa reunião de negócios, peça ao homem mais próximo para buscar café e água.”, se sentiram desconfortáveis.

Esteticamente o filme tem pontos bem delineados, com uma direção de arte que reforça o aspecto televisivo que o elenco já traz consigo, usa cores fortes e saturadas em um ambiente tropical, com muitos planos abertos e luz, usa uma maquiagem propositalmente exagerada em suas personagens e um figurino de gosto duvidoso. Tudo ajuda a reforçar a sátira, o clima que beira ao grotesco algumas vezes, e o uso do humor escrachado. O bom elenco é instruído a uma interpretação cheia de excessos, talvez para expressar esse mundo irreal, se afastando da fluidez nos diálogos. 

A narrativa começa através da saga de um jovem jornalista, Candinho (Rafa Vitti) e de um experiente e renomado fotógrafo, Jongo (Luís Miranda) na tentativa de entrevistar as membras do Clube das Mulheres de Negócios, comandado por Cesárea (Cristina Pereira) e sua melhor amiga, Brasília (Louise Cardoso). A dupla masculina aparece com roupas femininas, e a direção começa a cair em obviedades com as inversões de papéis, e ainda assim, segue mantendo uma postura de uso disruptivo do discurso, quando na verdade, está sendo um tanto redundante.

O filme pincela, ainda que de maneira bastante rasa, um conflito de classes, quando abre diálogo com empregados da mansão que são obrigados a arriscarem suas vidas pelo trabalho, e tem como único ponto de moralidade a dupla de jornalista que questiona os absurdos que vê. Muylaert consegue criar um ambiente repulsivo, usando e abusando da caricatura, que é elevada por vezes a níveis desastrosos, apelando bastante ao humor popular e pastelão, expositivo, e que tenta a todo momento emplacar jargões puxados pelo tom cômico, que às vezes funcionam, outras não. 

O Clube das Mulheres de Negócios é a obra mais fora do escopo de trabalhos já realizados pela diretora, conhecida por suas ótimas abordagens cotidianas como em Que Horas Ela Volta? (2015) e Mãe Só Há Uma (2016). Muylaert se empolga com o uso do CGI, criando onças gigantes e sanguinárias, que ocupam lugares de destaque no filme, quando fogem e começam a mostrar quem é o predador em cena. A inserção do animal soa simbólica e festiva, como um signo de brasilidade e da ferocidade da natureza diante da maldade do homem. Agora, ela entra em uma onda diferente, inova com a linguagem que usa a sátira política como motor, num filme que também parece se assumir como um manifesto contra o patriarcado de diversas maneiras, mas que fracassa quando decide não se aprofundar de verdade nos assuntos que levanta.  

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  • Jornalista carioca, editora e crítica de cinema. Tem foco de interesse e pesquisa em cinema de gênero e feito por mulheres.

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