Os Sonhos de Pepe | 2024

Os Sonhos de Pepe | 2024

As utopias de um progressista

Pepe Mujica se tornou uma figura mitológica na política sul-americana. Um simples agricultor que pilota um VW Fusca 1987 foi eleito presidente do Uruguai, negou todos os símbolos de poder de seu cargo e 90% de seu salário, um ex-guerrilheiro antiditatorial que prega contra o consumismo e toda forma de opressão adotando um discurso de alerta para os males que a humanidade causa para si mesma. Os Sonhos de Pepe, de Pablo Trobo, é um documentário que explora a utopia do ex-presidente uruguaio a partir, justamente, dessa aura mítica de alguém que se tornou um herói progressista levando seus ideais além das fronteiras do continente.

A proposta de Trobo não é a narrativa tradicional, já que não busca contextualizar a trajetória de Mujica ou a história de seu mandato. Pelo contrário, o diretor opta por uma montagem que remete ao sonho, sobrepondo cenas dos lugares em que o então presidente passa, com as falas que tem em eventos diplomáticos e universitários. Quando comenta sobre a crise climática no mundo, vemos a natureza que se decompõe. Quando reflete sobre os dilemas do capitalismo, vemos pessoas que transitam em meio ao caos dos grandes centros urbanos.

Essas imagens são captadas usando diferentes lentes, que ora ofuscam os cantos emoldurando o personagem principal, ora ampliam os cenários revelando a recepção do público à chegada de Mujica, como se reforçasse a potência de sua presença e destacasse a diferença entre aquela figura tão acessível transitando entre os engravatados. A forma como Os Sonhos de Pepe é montado reforça essa construção onírica, utilizando-se de recursos como a superexposição da luz, as grandes angulares, viagens de drones e, até mesmo, de efeitos especiais para criar metáforas visuais às explanações de Mujica, o que nos faz pensar que algo tão básico como a defesa da vida e da equidade é mesmo um sonho inalcançável.

O problema é que esta ideia se torna exaustiva à medida que a projeção segue. O tom onírico é interessante, mas corre um sério risco de retirar a importância política do filme por conta da desmedida descontração dada ao enredo. Um exemplo disso é a música quase circense que ouvimos em diversos momentos, como, por exemplo, quando Pepe Mujica fala sobre a pobreza e a desigualdade no continente africano. Trobo mantém essa nuance farsesca que pode tornar os sonhos de Pepe risíveis, como se o mesmo já estivesse vencido desde o início do filme.

Talvez para nós, brasileiros, Os Sonhos de Pepe funcione mais por seu caráter afetivo, por esse personagem que já reconhecemos e que nos aproxima dos discursos de Lula, em contraposição com a extrema direita que cresceu nos últimos tempos. Mas, percebemos um conflito interno no filme que, mesmo nos levando nas viagens com Pepe Mujica para poder ouvir e ver suas denúncias, por vezes parece desacreditar daquilo que defende.

Nota:

Author

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *