Babygirl | 2024
Erotismo e subversão, rasos como um prato de leite morno
Jogos de poder, perigo e sedução são elementos bastante atraentes quando combinados no cinema. Popularizado como thriller erótico, o subgênero associa o sexo ao suspense ou ao crime, como vemos em Corpos Ardentes (1981), Dublê de Corpo (1984), Atração Fatal (1987), Instinto Selvagem (1992) e tantos outros. Em Babygirl, filme dirigido por Halina Reijn – atriz, escritora e diretora holandesa, que ficou conhecida em 2022 ao dirigir o descontraído slasher Morte Morte Morte –, temos a figura de Romy (Nicole Kidman) uma CEO bem-sucedida, de meia-idade, que se envolve em um caso tórrido com seu estagiário, que vai mexer com seu psicológico, ameaçar seu casamento e sua imagem como mulher de negócios.
A diretora, ao trabalhar o erotismo com nomes como o de Kidman, atriz que, por sua trajetória em papeis sensuais, se tornou um sexy symbol mundial (e parece se sentir bem confortável com isso), faz com que as expectativas sobre o filme fiquem ainda mais aguçadas. Há de se destacar sua atuação em Babygirl, pois Romy é uma mulher que enfrenta dilemas femininos profundos, que se vê presa em um casamento morno com o diretor de teatro Jacob (Antonio Banderas), que não a satisfaz sexualmente, lida com o envelhecimento de seu corpo, crises com sua aparência, com o seu desejo, e sua posição de girl boss de uma grande empresa. Mas, para além do merecido reconhecimento na atuação da protagonista, o novo longa de Reijn parece bater na mesma tecla de seu antecessor, quando em Morte Morte Morte ela tenta desenvolver uma narrativa utilizando os cacoetes da geração Z e desconstruindo o slasher com o uso de um tom cômico, mas não consegue efetivamente passar da superficialidade.
Em Babygirl, a diretora toca em dois temas e se equivoca em ambos. Primeiro, ao tentar explorar o fetiche de Romy por experiências de submissão erótica, alcançadas por meio de uma relação inusitada entre ela e o jovem Samuel (Harris Dickinson). A chefe e o estagiário flertam no ambiente de trabalho, até não resistirem um ao outro e se entregarem a um jogo de prazer e controle, onde Samuel inicia Romy em uma relação de dominação. A ânsia da CEO em ser dominada por alguém abaixo dela na hierarquia social, faz lembrar de A Professora de Piano (2001), de Michael Haneke, onde a personagem de Isabelle Huppert induz um aluno a arriscados jogos eróticos que envolvem castigos e submissão como meio de encontrar prazer. Filme que parece ter sido fonte de inspiração para Instinto (2019), primeiro longa de Reijn, outro suspense erótico onde uma psicóloga criminal se deixa seduzir e manipular por seu paciente, um estuprador em reabilitação.
Nos filmes citados, a razão sucumbe ao desejo, e as ações dos personagens são impulsivas, instintivas, beiradas por uma obsessão. Acontece que em Babygirl, nada é tão profundo, nem as cenas sexuais, nem as dinâmicas eróticas com pretensões de ousadia, como quando Romy lambe o leite deixado para ela em um prato no chão, como um gato faria. Mas, ao usar termos e signos explícitos de uma dinâmica BDSM de maneira desleixada, como a preocupação com o uso de uma “palavra de segurança” (termo usado como alerta em dinâmicas sadomasoquistas), a brincadeira de petplay (quando uma das pessoas finge ser um animal) ou a conversa sobre consensualidade (fato imprescindível dentro de arranjos BDSM), o filme se mostra mais uma obra que pincela superficialmente conceitos que parece não saber efetivamente explorar, nem visualmente, nem narrativamente da forma inflamada como se anuncia.
Há um momento em que Samuel diz a Romy que precisa que ela comunique querer ser dominada por ele, que isso irá mostrar um consentimento para que eles sigam com as dinâmicas de dominação. Romy fica relutante e só cede quando Samuel ameaça expor a relação dos dois, pondo em risco sua posição no trabalho. Isso jamais pode ser chamado de consentimento e é colocado de forma totalmente arbitrária no filme. Talvez para o espectador que ache todo esse universo uma novidade, o filme soe interessante e revolucionário, mas com o mínimo de conhecimento a respeito de regras e éticas no BDSM, tudo em cena se torna raso e pouco substancial. Lembra a abordagem usada no longa brasileiro, Regra 34.
O segundo equívoco é quando tentamos enxergar Babygirl como um filme feminista e de alguma forma empoderador. Romy é, de fato, uma mulher poderosa, tem uma bela casa, um lindo marido, comanda uma empresa, mas não há, além dos clichês de status de sucesso pontuados, nenhum empoderamento ou sororidade nessa personagem. Fato que fica explícito quando Esme (Sophie Wilde), assistente de Romy, busca por diversas vezes um diálogo com a chefe para tentar negociar algum reconhecimento dentro da empresa, sendo também uma mulher que trabalha ao lado dela, e é constantemente deixada de lado por Romy. A situação piora quando a assistente percebe que o único modo de ser reconhecida então é também por meio de chantagem, exatamente como fez Samuel.
Os personagens optam por criar soluções nada corretas para conseguirem o que almejam, e tudo bem, o cinema está aí para também criar desconfortos, mas em Babygirl fica o gosto no ar do que a obra pretende ser, um arrebatador filme sobre erotismo e empoderamento, no melhor dos mundos do universo das mulheres em situações de poder no trabalho, mas que gostam de se submeter na cama. O potencial de Antonio Banderas é completamente desperdiçado em um personagem bastante diminuído na trama. Ainda que renda alguns diálogos interessantes sobre a crise do casal, seu histórico com interpretações sexys e envolventes no cinema ser deixado de lado em um suspense erótico não me parece a melhor das escolhas.
O longa trata de questões interessantes sobre etarismo e a dificuldade de lidar com aparência no envelhecimento, mencionando a indústria da estética e como isso afeta diretamente as mulheres, mas, o modo como é mostrada a jornada de descoberta sexual da protagonista e seu fetiche de submissão, passa muito longe de algo realmente intenso e acaba com resultado mais pasteurizado sobre o tema.