Baby | 2024
A vida já é dura, o cinema nem sempre precisa ser
A cidade como ponto de tensão narrativa é algo que atrai a atenção nos filmes de Marcelo Caetano, diretor mineiro radicado em São Paulo. Em Corpo Elétrico (2017), seu primeiro longa-metragem, vemos as dificuldades de um grupo de trabalhadores em uma fábrica de roupas no centro urbano paulistano, fazendo girar a engrenagem do capitalismo selvagem, onde o trabalho ocupa parte significativa da vida dos personagens, que tentam se relacionar e construir laços sociais e afetivos nas brechas que a demanda por sustento lhes permite. Em Baby, com espaço de sete anos de seu primeiro longa, Caetano parece amadurecer esse tema e achar ainda um equilíbrio elegante e terno, relacionando os personagens LGBTQ+, sempre fortes em suas histórias, com o instinto de sobrevivência de uma classe menos abastada.
O cinema queer brasileiro tem crescido e aparecido recentemente, com nomes como Carolina Markowicz, com Carvão e Pedágio, Juliana Rojas com Cidade; Campo, Juru e Vitã, com Salão de Baile, André Antônio, com Salomé, Fábio Leal, com Seguindo Todos os Protocolos, entre tantos outros; e nessa maré de bons filmes LGBTQ+, Baby se destaca não só por exaltar o amor e o sexo entre homens que se desejam, mas por também fazer uma agridoce alegoria urbana, que traz identificação novamente com a classe trabalhadora e afinidade com a hostilidade da cidade de São Paulo.
O ator estreante João Pedro Mariano interpreta Wellington, um jovem gay que acaba de completar 18 anos, recém saído da FEBEM (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor), e se vê solitário com a imensidão e com a dura realidade que é sobreviver em uma metrópole, sem saber o paradeiro de seus pais. De volta às ruas, o jovem anda nos arredores de um cinema pornô, ao entrar se encanta com a atmosfera que cheira e transborda sexo e liberdade pelos cantos escuros da sala. Ele troca olhares com Ronaldo (Ricardo Teodoro), um homem mais experiente, que posteriormente lhe apelida de “Baby”, e lhe abre os olhos para novos modos de conseguir sustento.
Baby é um rostinho bonito, novo no pedaço e se enreda em uma teia de oportunidades arriscadas que essa atraente aura da juventude lhe proporciona. Ronaldo o acolhe, o ensina a trabalhar com o corpo, o instrui a lidar com o tráfico e a ter mais maldade nas ruas. A relação entre esses dois homens atravessa uma conflitante realidade que mistura sentimentos genuínos, carinho e prazer, com a necessidade de conseguir dinheiro, abrigo e meios de sobrevivência. Desamparado pelos pais e pelo Estado, Baby encontra no recém-formado romance, também uma saída para seguir seus dias em busca da família que o criou, mas que agora está distante.
Caetano filma muitas cenas noturnas, faz bom aproveitamento da iluminação urbana e exibe um talento em registar corpos nus, que se entrelaçam sob os lençóis e se encaixam em momentos de intimidade e desejo. Por mais dura que seja a realidade que assombra os personagens em Baby, que estão ligados por uma atração carnal, mas também por uma violenta e deprimente rede de crimes e prostituição, há uma valorização muito maior dos laços afetivos entre eles, do que de suas mazelas. O jovem não é visto como um objeto ou um mero brinquedo pelo homem mais velho que o ensina a ter malícias e o leva a seguir caminhos mais obscuros, mas como um amigo, a quem ele apresenta a ex-mulher e o filho adolescente. São esses momentos de “gente de verdade”, de pessoas simples e de trocas genuínas de afeto, onde Baby “fita” o cabelo da ex-mulher de Ronaldo, ou quando eles dançam “passinho” juntos no terraço, que se sobressaem no longa, suavizando as asperezas da vida para falar de romance, acolhimento, encontros e sobrevivência.
Embora, pensando na realidade das ruas, o filme pareça suavizar os extremos, é bom enxergar a serenidade no olhar do protagonista diante de suas adversidades. O cinema tem esse poder de escolher o teor do que se vai dizer, e Caetano escolhe usar uma imagem doce para falar de duras realidades, acerta demais no elenco e no uso de uma fotografia que intensifica o caos urbano e o furor dos espaços fechados e becos com pouca luz. A dureza do abandono, do preconceito enfrentado por seus amigos da comunidade LGBTQ+, dos erros e acertos tentando se encontrar no mundo marginal das ruas, são peças-chaves para a jornada de amadurecimento de Baby, que passa por tudo isso com um imaturo, carinhoso e quase bobo, sorriso no rosto.