The Puppet’s Tale | 2025

The Puppet’s Tale | 2025

A Índia de 1930 é palco para que Suman Mukhopadhyay reflita a aparente dicotomia entre ciência e empirismo, urbano e rural, através de Shashi, um médico formado em Calcutá, que retorna ao seu vilarejo de nascença, em Bengal. O que seria uma rápida visita antes que ele partisse para Londres, torna-se uma permanência prolongada, vez que ele passa a ser demandado pelos locais para que exerça seu ofício em prol dos habitantes. The Puppet ‘s Tale, filme indiano selecionado para a Big Screen Competition do Festival de Cinema de Rotterdam 2025, centraliza sua trama nesse espaço de costumes que já não mais pertencem ao protagonista. Sob sua perspectiva, tudo soa feudal, ultrapassado e suspenso no tempo, mas a experiência com a morte de um paciente muito jovem o faz trilhar um caminho de amadurecimento e melancolia, bem como questionar sua relação com a medicina e com aqueles que ele considera carentes de conhecimento.

A narração em voice over de Shashi torna acessíveis seus pensamentos e abre possibilidades para que The Puppet ‘s Tale assuma, desde seu princípio, um tom reflexivo. O diretor aumenta a dramaticidade das questões morais, espirituais e sociais levantadas pelo protagonista ao acompanhar os momentos narrativos com uma trilha sonora apelativa, permitindo que o personagem soe, diga-se, menos arrogante e mais aprazível do que é. Ele, como médico que mirava usar seu aprendizado na Europa, age com superioridade com relação aos seus, que se referem a ele como “mestre”, de forma servil. Suas meditações narradas julgam a falta de letramento e desacreditam da bagagem empírica das pessoas daquele povoado que ele já chamou de seu, que crê na cura de doenças com plantas e orações. As mulheres o desejam, e ele, como “um ser incorruptível”, as despreza. Ele é, fisicamente, mais alto que os demais, o que o coloca, ainda, numa posição imageticamente elevada. Há, e é perceptível, a intenção de conduzir o personagem à ressignificações, presente a ideia da retomada da humildade para valorização de seu vilarejo. Entretanto, muito embora sejam instigadas, concretas mudanças não são por nós visualizadas, prevalecendo sua áurea soberba e a subserviência de todos para com ele.

De fato, a progressão de seu estado melancólico é, talvez, a única transformação visível que percebemos que o personagem enfrenta. Tal notória jornada de amadurecimento, guarda relação com a mudança de percepção de Shashi perante a morte, que de um lugar de indiferença confortável e conformismo supostamente necessários à profissão, alcança a impotência, o medo e a fragilidade. Assim, sua permanência lhe causa sofrimento e depressão, um estado de exaustão que transparece fisicamente. Ficar e ajudar os seus não é, por consequência, sua redenção, mas sim seu calvário. Se as reflexões do protagonista questionam os costumes locais, onde há, concomitantemente, muito a aprender e muito a objetar, vez que o moralismo e a desigualdade de gênero são latentes, é um tanto condescendente com tais problemáticas que Shashi passe por um pretenso amadurecimento, mas continue reproduzindo comportamentos controversos. Ele até recebe, em certa medida, punições por sua arrogância quando, por exemplo, é rejeitado pela mulher que se humilhou por ele durante todo o filme. Mas não nos parece existir qualquer intenção mais profunda, para além da meramente punitiva, que fará aumentar a melancolia do personagem.

The Puppet ‘s Tale é visualmente muito belo. O diretor engendra planos bastante expressivos, aproveitando-se bem do carisma de seu elenco, e causando momentos de desconforto em uma medida equilibrada. Uma das pacientes de Shashi é uma mulher casada acometida por infecções cutâneas por todo o corpo. Como sequela da doença, ela perde um olho, e o substitui por um feito de vidro, o que traz impacto à sua imagem. Suman Mukhopadhyay explora e eleva esse efeito ao aproximar sua câmera do rosto da mulher enquanto ela sente prazer no sexo. De mais a mais, é generoso no aproveitamento das paisagens naturais, causando uma sensação de pequenez dos personagens diante da beleza do espaço, desenhando e destacando o posicionamento deles de forma rigorosa.

Os momentos mais interessantes de The Puppet ‘s Tale se dão através da incorporação de um absoluto transe quando um personagem, que funciona como uma espécie de ancião, faz uma cerimônia para sua morte. Ele já sabia, de antemão, quando deveria morrer, e o dia fatídico é um acontecimento que reúne pessoas para aguardar sua passagem num templo florestal. Tudo é bastante ritualístico, e a coletividade ali presente transcende para um estado de compreensão da morte que o personagem não coaduna.

O deleite visual, entretanto, não sustenta The Puppet ‘s Tale por si só,. o que permanece é a sensação de que a obra pouco caminhou, e quando caminha, o faz de modo um tanto enfadonho, levando à exaustão os momentos introspectivos e dramáticos trazidos pela narração. O conceito de conexão de Shashi com o vilarejo é atropelado pela prepotência de suas ações e pensamentos, e a melancolia não abranda o resultado final.

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