A Natureza das Coisas Invisíveis | 2025

A Natureza das Coisas Invisíveis | 2025

“Não há nada que façamos no hospital que você não possa fazer em casa”. Quando o corpo vai perdendo a vida e a medicina não mais é suficiente, há curas que só são encontradas nos lares – o lar como espaço físico, o lar como o alento de pessoas queridas, o lar como a alma que precisa aceitar o fim. A Natureza das Coisas Invisíveis, de Rafaela Camelo, exibido na 75ª Berlinale na Mostra Generation Kplus, vai conectar uma geração de mulheres de famílias diferentes através da morte, do modo como a percebemos, e da possibilidade de suas muitas formas em nossas jornadas. Há mortes que se fazem necessárias para que novas vidas possam nascer.

Antonia (Larissa Mauro) é enfermeira e trabalha num hospital, e Glória (Laura Brandão), sua filha, precisa acompanhá-la durante as férias escolares. A menina conhece os pacientes sob os cuidados de sua mãe e é tratada por todos carinhosamente, e lida diretamente com situações de doença e morte. Quando a paciente Francisca (Aline Marta Maia) chega ao hospital, mãe e filha conhecem Simone (Camila Márdila) e Sofia (Serena), respectivamente, neta e bisneta da adoecida, Rapidamente, Serena e Glória se tornam amigas, descobrindo juntas os cantos do hospital enquanto a internação da bisavó persiste.

A Natureza das Coisas Invisíveis claramente se divide em duas partes: a vivência no hospital e a vivência no sítio de Francisca, para onde todas as personagens vão quando a paciente tem alta para receber cuidados paliativos em sua casa. Enquanto o hospital tenta proporcionar a cura do corpo, o sítio traz complemento para a cura de almas que se preparam para a morte, pois muitas as mortes simbólicas e espirituais que acontecem ali. A diretora usa da crença religiosa e da medicina caseira como parte da vida daquelas pessoas, tornando rituais muito naturais e inerentes daquela realidade, tão comum dos interiores Brasil adentro. Benzedeiras, plantas que curam, invocação de santos, tudo faz parte de uma cultura presente em muitos lares e famílias, e que aqui toma uma forma mística muito madura e delicada, principalmente, por trazer a perspectiva infantil dos acontecimentos.

Rafaela Camelo faz um cinema calmo, que não se apressa, que dá espaço aos acontecimentos, às crianças e suas mães, as conectando por uma afinidade que transcende a boa convivência. Elas encontram, entre si, semelhanças e compreensões por experimentarem realidades semelhantes, mães solos e suas filhas lidando com a presença da morte. Em que pese a densidade da temática e o imenso desafio que é trabalhá-la com crianças, A Natureza das Coisas Invisíveis é confortável como um abraço de avó. A crescente da consciência da despedida é conduzida pela diretora de forma doce, e a inserção do dilema da menina Sofia, que além da despedida da avó, precisa lidar com uma espécie de auto morte, a morte de uma pessoa que ela nunca foi, não sobrecarrega a narrativa, mas a torna ainda mais humana, além de abordar a temática LGBTQIA+ com compreensão e carinho.

A avó Francisca é, de fato, a representação da típica avó brasileira, e talvez essa seja uma das razões pela qual Rafaela Camelo constroi uma obra tão acolhedora. Essa avó que abraça, que cuida, que tem todos os remédios, que cura todas as dores, que invoca todos os santos por seus netos e bisnetos, que tem o maior e mais aconchegante abraço do mundo, é a figura mais apropriada para refletir e ensinar uma sociedade doente o mínimo sobre humanidade e aceitação de nossos pares como eles o são.

Nota:

Author

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *