Blue Moon | 2025

Richard Linklater talvez compreenda o amor e suas mais diversas formas como poucos. É um romântico que não se deixa idealizar, e parece se expandir em cada obra, ainda que aborde a mesma temática. Afinal, o amor que nasce de um encontro repentino num trem e amadurece em uma única noite não é o mesmo amor que nasce da atração sexual do fetiche entre um investigador disfarçado de assassino de aluguel e a mulher que o quer contratar. Não é o mesmo, ainda, nutrido por uma mãe e seus filhos, ou por um garoto que admira o espaço. O diretor possui habilidade ímpar de expressar tais amores com sensibilidade, realismo, bom-humor, inteligência e pequenas doses de melancolia. O que é o amor se não for, em algum nível, melancólico? Inevitavelmente, ele acompanhará o sofrimento, principalmente, quando não correspondido. A 75ª Berlinale deu seu Urso de Ouro para Dreams (Sex Love), cuja abordagem vai encontrar suas semelhanças em Blue Moon, novo presente de Linklater ao mundo do cinema: as dores do sentimento que não se concretiza como possibilidade de expressão artística.
Blue Moon, vencedor do Urso de Prata de melhor atuação coadjuvante para Andrew Scott, conta a história do compositor Lorenz Hart, vivido por um apaixonado Ethan Hawke, outro que parece se renovar a cada papel. No auge do sucesso do show Oklahoma!, realizado em coautoria com Richard Rodgers (Scott), o artista manifesta um amor profundo e muito poético pela jovem de 20 anos, Elizabeth (Margaret Qualley). Filmado inteiramente em internas de um Sardi’s Bar (estabelecimento centenário localizado na Broadway) vazio, especificamente na noite de estreia de 31 de março de 1943, trazendo Bobby Cannavale como bartender, um Hart alcoolizado proclama, emocionado, monólogos sobre sua musa inspiradora, até que ela adentre o salão não só para comprovar seu status, mas também para acarretar decepção e tristeza pelo que vamos compreendendo se tratar a relação por eles mantida.
Linklater vai imprimir no Sardi’s Bar de Blue Moon ares do Rick’s Café de Casablanca, clássico dos clássicos dirigido por Michael Curtiz. A atmosfera levemente triste, o piano ocupado por um soldado que vai acompanhando o discurso poético de Ethan Hawke como melodia de fundo, o bartender que enquanto ajusta o fim do expediente interage com o poeta, os poucos bêbados que restam na noite compartilhando as angústias do amor e fazendo, com isso, arte espontânea. Não há como não recordar de Rick Blaine (Humphrey Bogart) e Sam (Dooley Wilson) amargurando a chegada inesperada de Ilsa Lund (Ingrid Bergman) ao passo que ressoa, ainda que a contragosto dos personagens, a canção As Time Goes By.
Um homem, artista, um alcoólatra de 47 anos, apaixonado por uma jovem de 20, a musa inspiradora, sua maior paixão, a mulher cuja perfeição ele quer recriar através de peça teatral, aquela que, em sua percepção, respira um ar diferente do seu, a idealizada. Ele sente necessidade de falar sobre ela o tempo todo. Ele é o alguém que ama, ela, a que se deixa amar. Blue Moon vai retratar homens decadentes discutindo musas e arte, mesclando e tornando ambas uma coisa só, como se representassem a vida em si. Hart encontra em Elizabeth a urgência de fazer algo maior que si. Sua obsessão é puramente emocional, irracional e ilógica, como se o artista precisasse estar apaixonado como necessidade existencial.
O debate sobre a arte e o que a inspira transforma Blue Moon em reflexão sobre o romance no próprio cinema. Estaria o romance se perdendo? Seria Richard Linklater um dos últimos românticos? Os próprios personagens transparecem uma autoconsciência de suas condições na narrativa, ao discutirem quem estaria ocupando a função de extra. O filme não possui qualquer intenção de mostrar que não é cinema e possui plena consciência fílmica. O piano de fundo, incessante, quase o torna um musical declamado, emotivo, até a decrescente do protagonista quando nota, por fim, que seu amor não é correspondido.
A intensa expressividade de Ethan Hawke vai transformar seu olhar apaixonado em desespero. Perto de outros homens mais atraentes, como o interpretado por Andrew Scott, ele fica gradativamente menor, ainda mais calvo, e notadamente é ainda maior seu sofrimento. Após quase que todo um longa dedicado à juras e declarações de amor, quando a decepção vem, é como um golpe cruelmente aplicado, que causa uma dor tão intensa que pode ser sentida por nós, meros espectadores compadecidos. Blue Moon nos recorda que, de fato, a musa nunca será exclusiva do artista. Todos são passíveis de se apaixonar por ela.