El Mensaje | 2025

El Mensaje | 2025

Anika (Anika Bootz) posa sorrindo para a foto defronte a uma placa de publicidade que anuncia um cemitério de pets, denominado El Cielo. Quem tira as fotos e orienta a menina é uma mulher que não sabemos se trata-se de sua mãe ou não. O que fica nítido, nesses minutos iniciais de El Mensaje, dirigido por Iván Fund, filme argentino da competitiva da 75ª Berlinale (representante do cinema latino-americano ao lado de O Último Azul) que recebeu o Urso de Prata do Prêmio do Júri, é que um produto está sendo vendido e a garota é o principal objeto dessa transação. Vamos compreendendo que o produto é, na verdade, uma prestação de serviços, e a atividade negociada é paranormal: Ani, como carinhosamente é chamada, é uma espécie de médium mirim com o dom de se comunicar com os animais, e, com isso, trazer à luz as mensagens que eles não são capazes de transmitir.

Ani reside com seus tutores (ao que tudo indica, não são seus pais), Myryam (Mara Bestelli) e Roger (Marcelo Subiotto), num trailer, e eles integram o negócio mantido às custas da menina. Se são charlatões, não sabemos ao certo, e El Mensaje vai permanecer na ambiguidade quanto ao caráter dos adultos. Entretanto, há a certeza de que a sensibilidade e conexão da menina com os bichinhos, de algum modo, é real, e de que é ela quem provê, com sua aptidão, o sustento daquele modelo familiar.

Iván Fund escolhe usar o preto e branco para retratar esse pequeno grupo em sua jornada, que percorre o interior argentino em busca de clientes. A opção fotográfica vai evitar o destaque das paisagens campesinas em prol do foco na humanidade dos personagens, dando, ainda, em alguns momentos, toques que remetem ao Kansas do clássico O Mágico de Oz, exaltando, de certo modo, a inocência da menina. Vende-se, através dela, uma “telepatia natural”, o dom familiar, transmitido de mãe para filha, do conhecimento da dor da alma dos animais, falecidos ou em sofrimento, dor que seria inacessível aos veterinários. A dinâmica do negócio consiste na transmissão e interpretação da mensagem que Anika capta dos animais por Myriam e na precificação por Roger. Não parece existir, exatamente, nenhuma forçação por parte dos adultos a respeito do teor daquilo que será dito pela menina. Todavia, cabe à tutora satisfazer aqueles que os buscam através da significação do que, por vezes, é singelo. Nesse caso, quando a fala de Anika parece ser insuficiente, contorna-se atribuindo ao contratante o dever de aprender a escutar o que o pet tem a dizer. O sucesso da transação depende, diretamente, da crença na conexão e do amor das pessoas por seus animais de estimação.

Conservar-se na dualidade moral é o que há de mais interessante em El Mensaje. O diretor constrói uma oscilação entre a doçura e o julgamento principiológico. A própria Ani e o vínculo que ela nutre com qualquer animal que encontre – gatos, cachorros, capivaras, cavalos – fornece imagens naturalmente belas, e Fund sabe bem aproveitar (e talvez, apelar?) a pureza de suas presenças. A garota mira os animais nos olhos, e sua inocência convence sobre a plausibilidade de seu dom. De mais a mais, vemos que o relacionamento da família (ainda que não sejam diretamente pais, formam uma unidade familiar) é afetuoso, com toques físicos que demonstram um carinho sincero, em que pese a precariedade em que vivem (e a má alimentação notória). Ao mesmo tempo, não deixa de pairar a sensação de exploração infantil e do charlatanismo, o que estabelece, no balanço de tudo, uma ambivalência singular. 

O que Iván Fund não soube lidar é a forma de condução dessa jornada, correndo o risco de realizar o belo pelo belo de forma vazia. A decisão de fornecer poucos detalhes sobre os personagens para além da construção dessas relações duais faz El Mensaje cair na monotonia e na banalidade. O ápice da carência de habilidade sobre como prosseguir a narrativa encontra lugar na mensagem que Anika vai traduzir de um porco-espinho, que, supostamente, lhe diz “Eu tenho muitos espinhos, todos os espinhos são meus. Eu tenho saudade dos meus irmãos”. O que soa como a inserção de um acontecimento que vai demonstrar a manipulação de Myriam quando o que a menina diz parece não fazer sentido, não cria outra sensação que não a de que a beleza tornou-se, de fato, boba demais.

Nota:

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