Mother’s Baby | 2025

Dar pistas sobre o que veremos a partir do desenrolar das tramas fílmicas faz parte da construção de roteiros, que transformados em imagem, dão azo a um universo de possibilidades que permitem ao cineasta brincar e enriquecer narrativas com sinais, detalhes mais minuciosos ou nem tanto, que podem vir sob a forma de qualquer elemento que faz um filme: um diálogo, uma objeto de cena, um gesto, uma aproximação de câmera, um posicionamento de personagem, um som. Debruçar-se sobre obras cinematográficas em busca desses rastros faz parte dos estudos de cinema, do trabalho da crítica e da diversão da cinefilia.
É fato que o uso de tal recurso pode fazer com que uma obra caminhe para o brilhantismo, para a elevação de seu status. Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, é um grande exemplo de narrativa construída nesses moldes, cujos pormenores são, ainda hoje, autopsiados com paixão e entusiasmo, tamanha e indiscutível sua genialidade. No entanto, na mesma medida, pode provocar seu fracasso. Mother’s Baby, da diretora austríaca Johanna Moder, é justamente esse paradigma falho: o excesso de vestígios leva não só à obviedade (o que, por si só, não seria um problema), mas também e principalmente, ao lamentável abobalhamento de uma trama que se propõe seriedade.
Julia (Marie Leuenberger) é uma maestrina de sucesso, que em seus 40 anos, luta para engravidar do primeiro filho. Ela e seu companheiro Georg (Hans Löw) encontram na clínica do Dr. Vilfort (Claes Bang) uma proposta de tratamento experimental de fertilidade que dá frutos. Durante o parto, o bebê sofre com um problema de saúde que motiva a equipe médica a imediatamente levá-lo a um tratamento fora das vistas dos pais. Alheios de qualquer informação a respeito do estado de saúde do recém-nascido e sob a narrativa médica de que tudo que está acontecendo é absolutamente normal, quando o filho retorna plenamente recuperado e a família pode ir para casa, Julia começa a pressentir que há algo estranho com a criança. Mother’s Baby, então, vai percorrer seus caminhos a partir da desconfiança e no sexto sentido materno, parecendo querer discutir o quão assustador pode ser tornar-se mãe e lidar com um ser que está, integralmente, sob sua responsabilidade.
O andar das coisas, porém, vai tirar o filme da zona do que seria uma discussão e reflexão interessantes a respeito da maternidade para se suceder por uma série de acontecimentos que vão fazendo com que Julia rejeite seu bebê e vá tentando provar que há algo de errado com ele. Ela testa sons altos quando a criança está dormindo, porque o acha muito quieto. Coloca músicas clássicas de tensão para observar sua reação. Assusta o bebê para instigar seu choro. Julia belisca o recém-nascido. Inserir tais atitudes maternas, que poderiam advir de uma depressão pós-parto, no contexto do filme, fazem mais a personagem ter sua sanidade e bom senso contestados do que causar incômodos ou ideias mais ponderadas sobre o assunto.
No início do longa, desde o tratamento de fertilidade até a cena do parto, Johanna Moder vai ressaltar a frieza dos procedimentos e dos instrumentos médicos que limitam, ali, numa mesa cirúrgica, a vida humana, e especialmente, como o bem-estar e a vontade da mulher são suprimidas nos momentos de maior fragilidade – mesmo estando em uma clínica luxuosa, Julia sofre violência obstétrica. A forma como mãe e pai são tratados distintamente pelos profissionais da saúde, representada, por exemplo, ao se colocar o bebê primeiro nos braços do pai quando ele retorna do tratamento intensivo, ou, ainda, quando o choro da criança torna-se responsabilidade da mãe que está estressada, é uma linha que a obra trabalha, mas seu resultado é tão bizarro que ao invés de reforçar ou instigar observações fundamentais sobre o tema, perde toda e qualquer seriedade – a diretora vai preferir, ao invés disso, falar sobre peixes, aquários e animais exóticos, e aqui limita-se meu comentário sobre a trama e suas “reviravoltas”.
“Mother’s baby, father’s maybe” é o ditado que vai dar luz ao título e a ideia de filme de Johanna Moder. A diretora, infelizmente, não consegue equilibrar a seriedade ou manter o suspense que deseja com relação à natureza duvidosa do recém nascido. A grande descoberta que faz o desfecho de Mother’s Baby é tantas vezes sinalizada no decorrer do longa (e tantas vezes negamos que esse pudesse ser o caminho escolhido pela cineasta) que, quando acontece, sua previsibilidade torna tudo ainda mais indignante e bobo.