O Melhor Amigo | 2025

O Melhor Amigo | 2025

O filme peca por não estar seguro dos caminhos que pretende traçar

É, sem dúvida, um grande desafio transformar um curta-metragem muito bem recebido pelo público em um longa-metragem. Esse foi o tamanho do desafio de O Melhor Amigo, dirigido por Allan Deberton e baseado em seu filme homônimo lançado em 2013.

O resultado desse desafio, infelizmente, é um filme sem rumo, que falha em desenvolver seus personagens e fazer com que eles convençam o público de seus dramas e anseios, o que tem como consequência uma obra que parece não ter muito bem definido como quer se apresentar.

Lucas (interpretado por Vinicius Teixeira) é um jovem que, após ter uma desilusão com seu namorado, decide viajar para Canoa Quebrada para encontrar seu amigo Felipe (Gabriel Fuentes), que seria, também, um grande amor na sua adolescência. Essa viagem o apresenta a vários cenários e oportunidades: de passeios de buggy a noites tórridas de sexo com desconhecidos, entremeados por shows de performers/drag queens e muito flerte.

Contudo, o que seria uma premissa bastante atrativa se perde na falta de força das narrativas que se estabelecem e, ainda, na ausência de concatenação, fazendo O Melhor Amigo mostrar-se completamente desorientado e sem conseguir montar bases sólidas acerca do que pretende sustentar na tela.

As nuances dessa relação, não raro durante a projeção, caem em algo formulaico e talvez até infantil, envolto em pudores, vergonhas e até mesmo inexperiência. Não há um avanço no que seria um aprofundamento dessas relações, seja psicologicamente ou na parte mais física propriamente dita (quando o filme deseja fazê-lo, o faz de forma comportada). Assim, não há nem mesmo uma opção por algo reconhecidamente intimista, nem a escolha por algo mais escrachado, ficando em um enjoativo “meio do caminho”. Também não há avanço no desenvolvimento de outros temas que orbitam a relação amorosa central de O Melhor Amigo, sendo talvez o uso de aplicativos de encontros e os desconfortos causados por essa “impessoalidade na hora da sedução/azaração” o tema mais palpitante ao qual se refere e que, depois, é descartado sem maior atenção.

O filme deseja atrair para si um caráter festivo, com cenas musicais permeando o longa-metragem. Há aqui algo que, particularmente, me chama a atenção. Embora o filme aparentemente se passe nos dias atuais, as músicas utilizadas em O Melhor Amigo foram hits dos anos 1980 e 1990 que, apesar de funcionarem bem em sua maioria (sobretudo se o espectador viveu essa época), não se mostram muito conectadas com o período em que a narrativa se desenrola. Assim, me causa certa estranheza, por exemplo, que o sucesso da banda Herva Doce, “Amante Profissional”, seja cantado por alguém que só teria nascido pelo menos dez anos após seu lançamento, bem como que a música seja entoada com fervor por inúmeros jovens da mesma faixa etária. Digo isso porque não parece que estas músicas ainda encontrem tanta ressonância assim nas gerações mais jovens que, como dito, protagonizam essas cenas musicais.

Mas, ainda que encontrem (e eu esteja redondamente equivocado), há aqui outra questão que chama a atenção de forma negativa: a maneira como as músicas soam e como são cantadas mostra-se completamente desconectada. Nestes momentos, percebe-se claramente a desunião e assincronia entre som e “dublagem/danças”, o que acarreta em algo  flagrantemente antinatural e que gera grande incômodo.

Além disso, algo que também atrai atenção é que as cenas musicais nem sempre são diegéticas, ora fazendo com que todos os seus  participantes tenham completa ciência do que foi cantado, ocorrendo tão somente no nível da consciência pessoal do personagem, diferenciação esta que pode causar certa confusão nos espectadores.

O já mencionado caráter festivo e de “curtição” que permeia o filme faz com que certos elementos sejam usados de forma repetitiva e inócua. Dentre eles, destaco o uso do sotaque  e das gírias dos nordestinos, com o fito de trazer o que seriam as partes cômicas do longa-metragem.

Quando menciono que a narrativa não consegue sustentar em bases sólidas suas premissas, refiro-me a momentos que parecem estar dissociados dos caminhos que, pretensamente, o roteiro deseja seguir. Por exemplo, Lucas viaja para Canoa Quebrada e, quando encontra seu amigo Felipe, ele não o reconhece; quando é informado acerca da identidade daquele novo turista do local, comporta-se de forma a não parecer que ambos já haviam tido uma relação prévia, seja de amizade ou romance. Veja-se: o nome do filme é “O Melhor Amigo”, e não há nada que sugira a força dessa relação entre ambos.

A maneira como é exposto o “triângulo amoroso” entre Lucas, Felipe e Martin (ex-namorado de Lucas e interpretado por Léo Bahia) faz com que não exista um vínculo entre a audiência e aquela história, não importando as razões pelas quais Felipe muda significativamente de comportamento sem qualquer explicação prévia ou por que Lucas (quase) sempre parece estar muito desconfortável com o clima festivo do local.

Se Felipe fugiu sem deixar maiores informações para Lucas acerca de seu paradeiro e decidiu viver de forma livre (em todos os sentidos) e bastante despreocupada em relação ao que os outros acham de si, em uma praia nordestina, nada o impede de exigir que Lucas confesse seus sentimentos e reforce a honestidade deles, aparentando estar bastante  envolvido emocionalmente com quem optou por abandonar anos antes, desmentindo todo um “lifestyle” pintado pelo personagem.

Se Martin, antes da viagem, buscava contato com Lucas que era por ele expressamente rechaçado, nada o impediu de juntar-se à viagem do seu ex-namorado, sem mostrar qualquer tipo de tristeza, preocupação ou propostas de reconciliação, o que é aceito de certa forma passiva e conivente por Lucas, novamente contradizendo o que havia sido exposto na narrativa.

No caso de Martin, especificamente, o filme parece normalizar um comportamento absolutamente tóxico do personagem que, ante as negativas de contato do seu ex-namorado, literalmente vai em seu encalço e bate na porta do seu quarto de hotel, a muitos quilômetros de onde moravam. Até mesmo o beijo entre Lucas e Felipe, que seria o clímax da relação amorosa que é central no longa-metragem, ocorre de forma artificial e nada romântica: só acontece porque um casal que eles conhecem no hotel, ao fazer uma brincadeira na piscina, “exige” que eles se beijem. Ou seja, todo o esforço narrativo que visava à construção daquela relação entre Lucas e Felipe se “resolve” de maneira decepcionantemente insípida, boicotando qualquer potencial “romântico/sentimental” que pudesse ter.

No que se refere às atuações, sem sombra de dúvida, destacam-se as das performers da boate “Sal e Pimenta”, especialmente os trabalhos de Rodrigo Ferrera e de Denis Lacerda. Vinicius Teixeira entrega uma atuação bastante honesta, mas talvez sabotada por um personagem que mantém, durante a maior parte do filme, um comportamento de desconforto e enfado com seu redor, ainda que ele vise ser solar e festivo. Gabriel Fuentes se aproveita de um personagem mais vivaz e entrega um trabalho com energia e competência.

Dessa forma, tem-se que O Melhor Amigo não assume a direção que quer tomar, não se jogando em algo mais “escrachado” e com mais coragem, como o gênero musical sugere, mas também não tendo estofo algum nas partes em que deseja caminhar por algo mais intimista e romântico.

Nota:

Author

  • O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

    View all posts

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *