Parthenope: Os Amores de Nápoles | 2025

A beleza perturbadora
É inegável que o cineasta italiano Paolo Sorrentino seja fiel a seus traços autorais há muito tempo. Seus filmes são bonitos, quase sempre exploram as deslumbrantes paisagens italianas, apresentam personagens peculiares, dúbios, que enfrentam uma profunda jornada de transformação interna, com cenas em câmera lenta embaladas por músicas vibrantes, sempre em um tom idílico. Traz influências do catolicismo, da mitologia, do humor felliniano e de suas origens napolitanas, que perpassam pelo futebol e pelas praias. Todos esses elementos estão em Parthenope, um filme que homenageia sua terra natal, Nápoles, a partir da releitura do mito da sereia que daria o primeiro nome à bela cidade do sul italiano.
Donas de beleza estonteante, as sereias eram ninfas que cantavam para atrair marinheiros para a morte. Na clássica tragédia grega A Odisseia, de Homero, Parthenope seria um dos seres encantados que tenta seduzir Odisseu, mas este resiste de todas as maneiras, trazendo frustração para a moça, que se suicida no mar. Seu corpo foi encontrado por pescadores que o enterraram e batizaram o lugar com seu nome. Sorrentino faz de Celeste Dalla Porta sua ninfa, aquela que, a princípio, consciente dos efeitos de sua aparência, deleita-se com o dom da conquista, mas, aos poucos, acaba recebendo o peso da culpa introjetado no corpo feminino pela sociedade.
O diretor filma com sua habitual grandiloquência, fazendo com que a presença de Dalla Porta seja sempre um evento épico, onde todos que transitam a sua volta são atraídos por seus olhares, seus movimentos e sua astúcia. Nascida nas águas napolitanas em 1950, acompanhamos algumas décadas de sua vida até meados dos anos 80, e depois já idosa em 2023. Isso abre um leque de possibilidades imagéticas que parece divertir Sorrentino e sua equipe de arte, corroborando para figurinos e cenários exuberantes que a câmera tem prazer em mostrar.
A sedução de Parthenope causa inúmeras tensões sexuais, principalmente masculinas, mas também femininas em alguns momentos. Ela parece jogar com os sentimentos de seus affairs, como o faz primeiramente com Sandrino (Dario Aita), o filho da empregada que é desde sempre apaixonado pela rica jovem. Esse jogo se torna perigoso quando o “feitiço” atinge seu próprio irmão, Raimondo (Daniele Rienzo), que luta contra seus desejos e ciúmes. Aliás, o perigo é algo intrínseco ao amor na visão de Sorrentino, relação que já apareceu em obras como O Jovem Papa, sua série de 2016, e As Consequências do Amor, filme de 2004.
O amor proibido de Raimondo por sua irmã não é, em nenhum momento, desestimulado, seja por Sandrino, pela própria Parthe, como é comumente chamada, ou por sua mãe, que demonstra perceber a tensão entre os três, mas não toma nenhuma atitude. Percebemos, então, que esse triângulo amoroso está fadado ao fracasso e é retratado muito mais como uma brincadeira juvenil por parte da personagem principal.
A maturidade de Parthenope começa a aflorar a partir do encontro que tem com o melancólico escritor americano John Cheever (a breve participação de Gary Oldman no filme). Tentando se desvencilhar de um ricaço que também se encantou por ela e a chama insistentemente para um piquenique, Parthe se autoconvida para um jantar com o americano que conheceu à beira da piscina de um hotel. O que começa como mais uma provocação da moça vai abrindo espaço para diálogos interessantes entre os dois. Cheever é, até então, o único homem imune ao que ele chama de “beleza perturbadora” da garota. Mas, ainda assim, seus olhos ficam marejados diante dela, porque, recolhido em sua melancolia, parece saber dos efeitos trágicos do desejo que ela causa.

A presença de Cheever é como um ato premonitório, já que a tragédia se concretiza logo em seguida e Parthe é absorvida por dor e culpa. É aí que começa a trajetória íntima de aprendizado para lidar com fortes emoções, algo que, repetimos, é comum aos personagens criados por Sorrentino. Por outro lado, é nesse ponto que Parthenope começa a se tornar maçante, introspectivo demais. O que esboçava ser uma análise antropológica interessante, levando em conta que Parthe é estudante de antropologia (e a melhor da classe), sobre a reação dos homens a sua presença, ou, então, a superação do trauma e da responsabilidade que lhe é imposta, não progride nesse sentido. O diretor italiano prefere rechear sua obra com repetições e inserções de referências que talvez façam mais sentido para os napolitanos e para o próprio cineasta do que ao público de cinema em geral.
O fato de Sorrentino não ter experiência em retratar protagonistas mulheres é determinante na bagunça que se torna a sua ninfa moderna. Mesmo esforçando-se em colocar Parthenope além de um mero objeto masculino, quando lhe dá profundidade intelectual, inclusive a levando à carreira acadêmica na antropologia, não há organicidade nesse elemento. Mesmo tendo amadurecido, ficado mais velha, mudado a vestimenta e a postura, ela ainda usa do canto da sereia, mas como pretexto para que o filme mostre ambientações de Nápoles. Um exemplo é seu breve relacionamento com Roberto Criscuolo (Marlon Joubert), um membro do submundo violento da cidade. Com ele, Parthe transita pela periferia, vê a pobreza que não conhecia e, com um olhar estranhamente curioso, presencia um abuso sexual assistido e instigado por dezenas de pessoas em êxtase, como uma plateia, selando o que seria a fusão entre duas famílias mafiosas. Depois disso, ao invés do espanto, ela transa com Criscuolo.
Enquanto a trama decorre, pouca coisa realmente evolui. A participação de Silvio Orlando no papel do Professor Moratta, uma espécie de mentor para Parthe, é o grande destaque diante da queda do filme. Assim como Cheever, Moratta é um sujeito amargurado com as dores da vida, que age com frieza, mas que, ainda assim, vê Parthenope com olhos mais humanos do que os outros homens. Por mais que ele lhe dê conselhos e sempre reforce que a amizade dos dois não tem qualquer julgamento, ela insiste no artifício da sedução como caminho para experimentar o mundo, do mesmo modo desde o início da projeção.
Parthenope acaba se aproximando de A Mão de Deus (2021), no sentido de ser uma obra intimista e recheada de homenagens a Nápoles e ao período da juventude do próprio Sorrentino, mas se distancia da construção orgânica deste. Mesmo o momento do clímax catártico do filme parece estar preso dentro da bolha egocêntrica do diretor e pouco contribui para a narrativa, que ainda se arrasta em repetições até que ele consiga inserir a comemoração do título de futebol do Napoli em 2023, time que representa a cidade e ao qual torce fervorosamente.