Milton Bituca Nascimento | 2025

Milton Bituca Nascimento | 2025

A imortalidade do artista

Milton Nascimento é um daqueles seres mágicos e raros capazes de utilizar a arte em sua máxima potência. Sua música emudece e emociona, sua voz inevitavelmente atravessa quem a ouve. Aos 80 anos, quando as limitações do corpo o atingem, Milton se despede dos shows em uma última turnê. Mas, um artista como ele jamais será esquecido, pois se torna força da natureza que reverbera entre nós pela eternidade. É com essa premissa poética que Flávia Moraes constrói o documentário Milton Bituca Nascimento, reunindo depoimentos e acompanhando os últimos passos do artista nos palcos do mundo.

Essa ideia de reverberação é a que estrutura o filme, partindo do evento de despedida para analisar como a genialidade de Milton atingiu e continua atingindo as pessoas à sua volta. A grande missão da diretora parece ser evidenciar a importância mundial de uma lenda brasileira, entrevistando figuras como Quincy Jones, Pat Metheny, Esperanza Spalding, Caetano Veloso, Simone, entre outros. Eles são unânimes ao afirmarem a capacidade do cantor e compositor em romper as barreiras idiomáticas com seu timbre e técnica vocal inexplicáveis.

Contudo, como o cinema não trata apenas de bons conceitos, mas sim de como somos levados até eles pela narrativa, Milton Bituca Nascimento em muito pouco se aproxima da força do objeto retratado. A emoção é algo inevitável na obra, pois os entrevistados(as) estão emocionados(as) e falam com vivacidade sobre o artista, além de sabermos desde o início que se trata de uma despedida. Àqueles que são fãs, tudo isso corrobora na afetividade que emana do que se vê: o cantor se esforça para andar e fazer seu ofício com toda a alegria do mundo, como se cantar fosse sinônimo de viver.

O desequilíbrio no filme vem da montagem, assinada pela própria diretora em parceria com Laura Brum, quando tal sensibilidade é boicotada por um amontoado de temas pouco contextualizados e técnicas de edição que fazem as cenas lutarem entre si, ao invés de se tornarem fluidas. A reconstituição de momentos da infância do artista, filmadas com um ator mirim em interação com o próprio Milton Nascimento, funciona e traz a poesia saudosista de quem observa sua vida como uma predestinação à arte. Porém, ao optar pela divisão de tela nos comentários de Milton, duplicando a mesma cena em ângulos diferentes e utilizando a mesma fala sobreposta com um leve delay, criando um “eco”, o artifício poético dá lugar à confusão. Por mais que essa ferramenta nos remeta a reverberação, mais atrapalha do que se alia com a delicadeza da cena citada.

Em outras situações, a narração, feita pela também lendária Fernanda Montenegro, entra em conflito com a fala ou música cantada diegeticamente, o que poderia ser um descuido pontual, mas acaba se repetindo. Até mesmo os letreiros que identificam aqueles que dão seus depoimentos é algo displicente, tendo alguns casos em que um personagem só terá seu nome escrito na tela na segunda ou terceira vez em que aparecem, enquanto outros surgem quase que imediatamente.

Fala-se sobre a infância, suas inspirações, a saúde debilitada, a vontade de continuar, sobre como ele influenciou outros artistas ou, então, como os ajudou em suas carreiras, aborda-se brevemente o racismo e a paternidade. Mas tudo fica, realmente, breve, acumulando assuntos superficiais que cortam belas apresentações musicais, como se o filme tivesse que correr e tratar de tudo ao mesmo tempo para dar conta da grandiosidade do personagem principal.

Milton Bituca Nascimento é uma homenagem a um dos maiores, senão o maior, artista da música brasileira, mas a constrói de forma comum, como um programa de TV que já vimos com outras celebridades. A demanda por agilidade na montagem atropela a afeição que as músicas de Milton provocam, evitando, assim, que sintamos plenamente a profundidade de seu timbre, de sua história, de sua eternidade.

Nota:

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