Agatha’s Almanac | 2025

Agatha’s Almanac | 2025

O cultivo de si

Os pequenos detalhes da vida passam despercebidos em meio ao sistema capitalista em que vivemos. Cavar a terra, semear, esperar a ação do tempo e da chuva para fazer florescer, colher o fruto: estas coisas são engolidas pela máquina, pelo agrotóxico, pelas cifras de uma sociedade do desempenho. Nesse contexto, ver o doce retrato que a diretora Amalie Atkins faz do trabalho artesanal de Agatha Bock em sua fazenda é entrar em um hiato de tempo. Agatha’s Almanac acompanha os passos lentos e solitários da senhora de 90 anos que cultiva seu jardim com a alegria de quem entrou em comunhão com a natureza, um privilégio de poucos.

A princípio, pouco sabemos sobre a personagem. A montagem faz jus ao conceito de almanaque, então, o que vemos são os eventos da rotina de Agatha, enquanto explica para a câmera como procede nos cuidados e na colheita de suas plantações. Demora algum tempo para que a senhora nos conte alguma coisa sobre seu modo de vida peculiar. São momentos breves e que ela mesma interrompe para falar do que considera mais importante: seu jardim. Essa escolha narrativa de Atkins faz crescer a curiosidade do espectador, que, inevitavelmente, vê-se encantado pela sabedoria e energia da idosa e instigado por seu isolamento.

Mas, ao contrário de tratar a solidão de forma negativa e o envelhecimento como impotência, Agatha’s Almanac é vivaz. A imagem filmada em 16mm é embelezada por cores primárias, roupas com bordados, sapatos antigos e inúmeras luvas de jardinagem coloridas. Um filtro de suavização dá um aspecto etéreo à fotografia, de certo modo, divinizando a figura da anciã e tornando tudo ainda mais singelo. Acompanha a música introspectiva e alguns raccords de erro que simulam filmagens amadoras quando focaliza objetos de valor afetivo, realçando a intimidade e o caráter de diário do filme.

Percebemos, então, que há um laço fraternal entre quem filma (a própria Amalie) e quem é filmado. As interações entre as partes dão dicas de que Agatha é tia da diretora. Quando ela volta da colheita de morangos, essa relação se confirma: “Amalie, te darei alguns destes morangos para você levar para casa”. Logo a amável senhora coloca as frutas em uma caixa com uma fita adesiva sinalizando: morangos de Amalie.

Agatha não aparenta solidão e faz questão de afirmar que está ali por escolha própria. Os objetos de sua casa funcionam como personagens que são suas companhias do dia-a-dia: o carrinho que usa para carregar ferramentas até a horta, os baldes para separação do feijão, várias caixas que guardam utilidades para seus afazeres e, principalmente, muitos jarros onde mantém os alimentos que colheu. Por mais simples que seja seu lar e suas coisas, tudo é etiquetado com fita adesiva escrita à caneta, como se fosse por ela batizado.

Cada aprendizado do almanaque de Agatha gera um sorriso, um sentimento de que estamos diante de uma potência única que nega qualquer fragilidade do corpo com 90 anos de existência. Por mais que haja percalços, eles logo são cooptados como parte do caminho, do ato de envelhecer, e são superados pela vontade de se filiar novamente à natureza. Agatha’s Almanac nos lembra o pensamento de Espinosa, filósofo holandês, quando afirma a potência do ser humano ao entender sua ligação com a Natureza. Nos remete, também, ao espírito de David Lynch, eles são uma rara espécie de sujeitos artesanais, intensos naquilo que fazem, cientes do que controlam em suas vidas e de como a criatividade é uma chave para o bem-viver.

Terminamos o filme com vontade de plantar, colocar a mão na terra, sentir o ar fresco, sair da sociedade que nos aprisiona na falsa liberdade neoliberal e partir para a simplicidade das pequenas coisas. Amalie Atkins, em seu primeiro filme, consegue criar uma poesia sutil, longe do sentimentalismo barato e cheia de bons afetos.

Nota:

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