Itatira | 2025

Em 2010, na cidade de Itatira, sertão cearense, um padre chegava para a reza de uma missa numa escola do ensino fundamental do município. A esperança era que houvesse um exorcismo após uma série de desmaios coletivos que começou a apavorar alunos e moradores, sem qualquer motivo racional ou médico aparente. Mais de 30 alunos, em sua maioria, meninas, viveram o fenômeno tido como sobrenatural, após alegarem terem visto o espírito de um jovem que morreu acidentalmente no local, perambulando pela escola. O acontecimento inexplicável atraiu a imprensa, que disseminou imagens explícitas das crises em rede nacional, expondo menores e utilizando-se do sensacionalismo para elevar ainda mais o pavor da população.
O exorcismo não ocorreu. Não houve padre, nem pastor, nem médico ou autoridade capaz de explicar o surto misterioso. O fato se tornou material fílmico para que o diretor André Luis Garcia realizasse Itatira, documentário exibido na Mostra Competitiva de Longas-Metragens do Cine PE 2025. O diretor teve acesso às imagens produzidas pelos veículos midiáticos da época, e conviveu com a população durante um período para entender um pouco mais não só a respeito da sobrenaturalidade do ocorrido, mas principalmente, para tentar transformar a imagem do local para além da marca de cidade assombrada que acabou recebendo.
Itatira faz opção de seguir o caminho inverso do exploratório da imprensa da época. Em que pese o acesso às imagens feitas em 2010, o diretor escolhe não utilizá-las, fornecendo-nos a contemplação da cultura local e de sua gente, buscando criar uma poesia silenciosa carregada de uma estranheza própria da temática, instigando a observação imagética alternada com entrevistas de pessoas, como uma psicóloga que atendeu alunos naquele tempo e até o padre que não exorcizou ninguém.
Ocorre que, muito embora cristalina a ideia da não exploração, André Luis Garcia não deixa de instigar o mistério. Exalta o sobrenatural através da misticidade de cavernas repletas de morcegos, da singularidade de alguns rituais culturais que atraem por seu magnetismo estranho, do destaque de planos noturnos do céu e do som de insetos dos mais variados, trazendo retratos que são muito atrativos como imagem por si só. Provoca, portanto, o espectador, traz entrevistados que tendem mais para a comicidade do que para a seriedade do acontecimento, para, logo em seguida, interromper aquilo que parecia fazer o documentário caminhar para o que ele possuía de mais interessante.
Todo o restante, a sequência de imagens que Itatira traz para a valorização local, é solto e desprovido de objetivo evidente, que funcionam sozinhas como um álbum fotográfico em movimento, mas que pouco significam em sua coletividade. Nada mais parece se conectar com o mistério inicial. O próprio documentário parece não compreender-se mais em plenitude, e o que fazia parte de uma ideia de rechaço ao sensacionalismo o faz permanecer num meio termo inseguro e pouco instigante.
A firmeza do desígnio de Itatira esfarela-se. O que restam são migalhas que não mais conseguem adquirir um formato que, minimamente, as vincule novamente.