Nem Toda História de Amor Termina em Morte | 2025 

Nem Toda História de Amor Termina em Morte | 2025 

“A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão.” A frase de Paulo Leminski dá à Nem Toda História de Amor Termina em Morte permissivos para assumir-se, no caso, o oposto – torna-se arte caricatural debochando da bizarrice da vida e das pessoas, surpreendentemente, da forma mais doce e esperançosa possível. A tragicomédia do diretor Bruno Costa reflete a jornada de um sol que a vida enterrou na escuridão e na melancolia de uma casa fechada, cujo brilho, exausto de se esconder, começa a despontar novamente. O Sol, aqui, é feminino, uma mulher que leva o nome do astro-rei, professora infantil, casada, interpretada por Chiris Gomes, que, em seus 50 anos, dá um basta ao conformismo e retorna à vida onde pertence, ao apaixonar-se por Lola, uma jovem atriz surda mãe de uma aluna sua.

Os abismos de Sol iniciam-se no casamento. O marido, Miguel (Octavio Camargo) é um professor de música já desistente da vida. Fumante incontrolável, alcóolatra, ele recebe de um médico igualmente fumante que disfarça a fumaça e o mau cheiro de seu consultório com um aromatizante em aerossol, uma série de diagnósticos desoladores, e a mensagem é clara: precisa mudar, urgentemente, seu estilo de vida. Não é à toa que sua mãe apresente-se como uma mulher cuja aparência é muito mais jovial que a do filho, e o trabalho de Octavio Camargo é cirúrgico no humor e na desesperança de seu personagem, que se entrega, basicamente, ao caminho de uma morte pré-anunciada.

O lar do casal é desprovido de qualquer atrativo, e soa como uma caverna. Todas as portas e janelas são permanentemente fechadas enquanto a fumaça dos inúmeros cigarros fumados forma quase que numa névoa no ambiente. Falta energia elétrica, falta… sol.  Bruno Costa vai ser muito claro nos símbolos fílmicos, e a caricatura de humor ácido constitui o charme que permite que Nem Toda História de Amor Termina em Morte não caia na convencionalidade. A linguagem narrativa é rápida, direta e eficaz, bem posicionada, e a comicidade levemente provocadora não se excede ao ponto de tornar invisíveis as jornadas de superação colocadas em tela.

Neste ponto entra Lola (Gabi Grigolom), o contraponto de tudo, o segundo sol que vai guiar o primeiro e impulsioná-lo a recobrar seu fulgor. Ela pulsa vida em todos os sentidos e sua presença preenche de cor não só a vida de Sol, mas a casa-caverna, onde passa a dividir os dias com casal em separação. Seu cabelo é roxo, suas roupas são sempre coloridas, seus desejos são latentes, respeitados e obedecidos. É bonito como Bruno Costa faz um trabalho que se esforça para potencializar a representatividade de pessoas surdas em tela, tornando a surdez um detalhe que vai deixar, tal como Lola, o mundo mais otimista. É crucial, e não é repetitivo dizer, que a comunidade surda se veja e se encontre nos cinemas, como agentes e estimuladoras de si, pertencentes a qualquer profissão, ocupando espaços na arte, dotadas de apetite sexual, se vejam como mães, trabalhadoras, mulheres que amam, que transam, que traem, que vivem, portanto, suas vidas.

De mais a mais, Nem Toda História de Amor Termina em Morte vai denunciar a enorme lacuna social da não-inclusão da linguagem de sinais como obrigatória a todas as pessoas, ainda que no seu nível mais básico. A tragicomédia não prejudicará a mensagem, pelo contrário, vai funcionar, aqui, como ponto certeiro para transmití-la.

A libertação de mulheres parece ter sido o mote da mostra competitiva de longas-metragens do Cine PE 2025. Nem Toda História de Amor Termina em Morte é irmã de Senhoritas: ambos proclamam, de modo necessariamente audível e incontroverso, que nunca é tarde demais para voltar a reluzir.

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