CODA – No Ritmo do Coração | 2021
No Sobre Oscar, Merecimento e Conexão
Para surpresa de vários críticos e amantes de cinema, CODA – No Ritmo do Coração foi o grande vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2022. Foi merecido? A história do longa não é inovadora. É o clássico enredo de crescimento da adolescente Ruby (Emilia Jones) apaixonada pela música, que com a ajuda de seu mentor, tem que vencer desafios e provar seu talento para então se dedicar à sua verdadeira vocação. Além disso, o filme é um remake do filme francês “A Família Bélier”, sucesso de crítica e bilheteria.
O ponto de destaque na trama são os desafios apresentados à jovem: Ruby Rossi é uma CODA, título em inglês que significa “filho de pais surdos” (children of deaf adults). Sendo apaixonada por música, como convencê-los de que pode investir em algo que não pode ser partilhado por toda a família?
É neste ponto que o filme apresenta seu grande mérito, visto que a trama familiar é muito mais interessante que os conflitos escolares ou o romance da protagonista. Ainda que sirvam para dar uma dimensão mais profunda do impacto que é crescer como CODA, seja pelo senso de proteção que tem com a família , o bullying por ingressar na escola “falando como uma surda” ou ter invariavelmente o papel constante de tradutora.
Apostando no humor e no drama na medida certa, a trama é eficiente em mostrar ao telespectador a vida sob a perspectiva única de seus personagens centrais. O filme demonstra desde o início que a comunicação vai além da fala, podendo ocorrer pela escrita, o corpo, a música, e especialmente através da língua de sinais.
“Eles descubram como lidar com surdos! Não somos indefesos. Nossa família estava bem antes de você nascer”
Assim, ainda que apresente a dificuldade de entrosamento e comunicação entre os ouvintes e os surdos, há o acerto em apontar que os desafios são os mesmos de se conversar com alguém em outro idioma. E que havendo interesse e respeito de ambas as partes, é possível o diálogo, a convivência e a integração na comunidade.
Como curiosidade, vale destacar que no Brasil a Libras, língua brasileira de sinais, é reconhecida desde 2002, pela Lei 10.436, como um meio legal e legítimo de comunicação e expressão. Só que passados quase 20 anos, ainda é pouco divulgada e difundida a sociedade, e mais do que mera tradução para a língua de sinais, não há um esforço efetivo dos ouvintes.
Nesse contexto, o filme possui o mérito de apresentar a língua de sinais de maneira eficiente e expressiva, em grande parte em razão da ótima interpretação de seu elenco. Extremamente comprometidos com seus papéis, é notável a expressividade e naturalidade de Marlee Matlin como a mãe Jackie, Daniel Durant como o irmão Leo, e especialmente Troy Kotsur, como o pai Frank, representando seu personagem com humor e presença marcante, sendo o grande destaque da produção. Não por acaso, todos pertencem à comunidade surda.
Por sua forte interpretação, Troy Kotsur foi escolhido como melhor ator coadjuvante, sendo o segundo surdo a ganhar o Oscar. A primeira surda a ser premiada pela academia foi justamente Marlee Matlin, por Filhos do Silêncio, de 1987.
Também é destaque que a família não é retratada nem como incapaz, nem tampouco como antagonista. E esse nem é o tema principal.
Ainda que no decorrer da trama Ruby se questione se seria possível deixar a família de pescadores para trás para ingressar na faculdade, seja por questões financeiras ou por ser a intérprete oficial da família, o filme busca na realidade retratar a conexão entre a família.
“Você é adolescente. Se eu fosse cega, gostaria de pintar?”
O interesse da filha pela música é visto pelos pais como um ato de rebelião, algo que a afasta por ser inalcançável para eles na mesma medida. Uma angústia que deve estar sempre presente entre pais e filhos na mesma situação, como bem retratado na cena entre mãe e filha, em que ela conta ter desejado que a filha nascesse surda, para assim serem próximas.
É também essa busca por conexão que produz as cenas mais impactantes do filme. Ao mostrar os pais e o irmão assistindo a apresentação do coral, com seguidas músicas, primeiro eles nos parecem distraídos e conversando sobre coisas diversas, sem dar a devida atenção à filha. É apenas quando a perspectiva da cena se altera e passamos a acompanhar a cena sem qualquer som, como eles, que passamos a entender a dificuldade que a situação lhes apresenta.
Logo em seguida, o pai busca entender, ao conversar sozinho com a filha, sobre o que ela cantava e como, num momento tocante da produção.
Ocorre que tirando os momentos citados (que foram filmados de maneira muito semelhante à versão francesa), a direção de Sian Heder é comum e protocolar, sem grande ousadia ou inspiração, confiando nos números musicais para emocionar o espectador, culminando na cena da apresentação final, que serve para retratar a conciliação e conexão entre todos da família.
Fica ainda mais claro que os outros problemas construídos em quase duas horas de produção são sem importância para o roteiro quando, em seus momentos finais, todos os obstáculos são facilmente resolvidos, sem muitas explicações.
Cabe também destacar que pelo trabalho de adaptação do roteiro do filme francês, Sian Heder ainda ganhou o Oscar por melhor roteiro adaptado. Assim, nos cabe apenas responder à pergunta inicial. Afinal, CODA – No Ritmo do Coração é digno de ganhar o Oscar?
Como dito, o filme possui seus méritos e acertos, que devem ser valorizados independentemente da premiação. É, sim, representativo, delicado e com sua carga de emoção. Familiar como uma bela comida caseira, o que é sempre gostoso de provar e acompanhar.
Com toda a certeza, não é brilhante, inovador, técnico ou denso o suficiente para ser exaltado pelos críticos, especialmente se comparado aos outros filmes que concorreram à estatueta. Talvez seja o momento de passar a enxergar o Oscar pelo seu caráter comercial, político e financeiro, e menos pelo seu valor artístico.
O verdadeiro mérito artístico vem não apenas dos elogios dos críticos de cinema, mas também pelo seu valor no tempo e como uma obra cinematográfica é vista pelo público com o passar dos anos. Não por seu desempenho na época de premiações.
Até por isso, obras clássicas foram esnobadas e até criticadas na época em que lançadas, tendo seu valor reconhecido apenas anos depois. E da mesma forma, filmes premiados pela academia tiveram seu valor questionado ou diminuído, como Crash em 2004 ou Shakespeare Apaixonado em 1998 e tantos outros.
E talvez seja a hora de perguntar: afinal, que tipo de filmes o Oscar pretende consagrar? E qual a sua importância? Talvez a conversa possa ser menos sobre o mérito do filme premiado, mas sim sobre o mérito do Oscar.
Excelente texto, Lenita. Ainda não vi Coda, mas depois da sua crítica fiquei mais instigado a assistir. Parabéns!