Quem Tem Medo? | 2022
E se nossos corpos pudessem aparecer desnudos no espaço público? Não a nudez sexualizada a que estamos habituados, mas aquela que busca provocar uma reconexão com o corpo e fazer pensar sobre a sua própria essência biológica. E se Jesus Cristo fosse (retratado como) travesti? Essas e tantas outras questões estão fora das reflexões que nos propomos em nosso cotidiano e são, justamente por isso, objeto de especial interesse da produção artística e do documentário Quem tem medo? (2022) dirigido por Henrique Zanoni, Dellani Lima e Ricardo Alves Junior.
Provocar reflexão, questionar os padrões que estamos habituados, criar novas possibilidades de se relacionar consigo e com o mundo. Fazer pensar sobre novos modos de vida: esse é um dos principais atributos de uma arte engajada. Tratamos disso na coluna inaugural por aqui buscando pensar sobre o sentido da arte e do cinema, em especial. Quem tem medo? apresenta questionamentos semelhantes por meio do resgate de uma série de manifestações artísticas que foram alvo de polêmica – para não dizer censura – no Brasil dos últimos anos.
Alternando entre narrações dos próprios artistas que foram perseguidos; registros de vários espetáculos e de algumas exposições; resgate de discursos de importantes lideranças políticas (de Jean Wyllys a Bolsonaro); e também se valendo de trechos de vídeos amadores que viralizaram na internet nesses anos, o documentário resgata, em tom de denúncia, diversos processos pelos quais passou o Brasil dos últimos anos. É impossível assistir a Quem tem medo? e não se assustar com o forte retrocesso político e o seu profundo impacto na produção cultural do país. Ainda que rapidamente, o eco da ascensão reacionária na atividade intelectual também é notado, especialmente com o resgate dos protestos contra Judith Butler, recebida no Brasil em 2017 aos gritos de “Bruxa”.
Quem tem medo? é um rico documento de sua época e nos ajuda a reconstruir os processos que nos levaram tão rapidamente a um momento de tamanho obscurantismo. Contar essa história por meio da perseguição à atividade artística e intelectual é uma escolha bastante acertada. A arte tem como um de seus traços mais marcantes a capacidade de estimular a imaginação, a reflexão e, assim, construir novas realidades. Por essa razão, é constantemente alvo de tiranos que a persegue ou a instrumentaliza em seu favor.
Para a nossa sorte, mesmo em meio a todo esse contexto, são muitas as produções do audiovisual brasileiro que têm resistido aos ataques. Assim, se o processo apresentado em Quem tem medo? é algo que gera enorme tristeza no espectador atento ao cenário político brasileiro, a simples existência desse documentário merece ser celebrada.
O filme estará em cartaz neste sábado (09/04/22) e no próximo domingo (10/04/22) em cinemas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Também poderá ser visto neste domingo online como parte da programação do 27º Festival É Tudo Verdade 2022.
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