Segundo Tempo | 2019

Segundo Tempo | 2019

Brasil, o país do Futebol. São imagens de uma partida de futebol que abrem e fecham o novo longa de Rubens Rewald, diretor brasileiro que resgata algumas cenas nostálgicas de peladas de rua no Brasil, que ajudam a criar um elo e um atrito entre pai e filho, em uma jornada onde dois irmãos tentam descobrir o passado de seu falecido pai, Helmut (Michael Hanemann). Câmera na mão e movimentos que acompanham os passes dos jogadores em uma quadra na cidade de São Paulo, introduzem Carl (Kauê Telloli), irmão de Ana (Priscila Steinman), protagonistas de Segundo Tempo. Ele está jogando e é interrompido por seu pai, um senhor de idade avançada que depende do filho para ir ao médico fazer exames. O longa começa e já mostra as prioridades de “Alemão”, pedindo que o pai espere a partida acabar.

Carl é um jovem meio desorientado, falastrão, um tanto leigo e irritante que mal se relaciona com sua família e faz programas na noite paulistana. Ana e Carl perderam a mãe ainda criança e são criados por um pai com descendência alemã, o qual pouco sabem a respeito. A relação familiar dos três é distante e confusa, ninguém parece se conhecer. Carl é o mais deslocado, dá pouca importância para conversas com Ana e seu pai. Ana é uma moça introspectiva, culta, ama literatura e trabalha em uma biblioteca, o avesso de seu irmão. Após a morte do pai, cada um manifesta uma reação completamente diferente. Enquanto Carl – que carrega certa culpa por ter sido desleixado em cuidar do pai – fica extremamente curioso e começa a vasculhar o passado a fim de conhecer mais do velho alemão que o criara; Ana entra em depressão profunda, fica disfuncional e em negação e aversão completa à empolgação do irmão.

Segundo Tempo pincela um cenário familiar raso e explora pouco as possíveis nuances desse universo, decidindo focar em situações mais pessoais de Ana e Carl, e em temas que se afastam da narrativa principal, deixando a obra por vezes desconexa e com situações gratuitas. A primeira parte do longa se passa na cidade de São Paulo e Carl vai procurar ajuda em uma biblioteca, em busca de alguém que fale alemão, a fim de traduzir cartas antigas que seu pai guardava. Ele parece sempre tomar decisões muito burras e que são difíceis de engolir, como por exemplo, que não procurou um tradutor online ou alguém direcionado ao invés de sair em uma busca aleatória por essa tradução? Essa busca o levou a conhecer um jovem casal de amigos que o ajudaram, mas que em meio às traduções, bebiam vinho e terminam todos em uma situação sexual que pareceu gratuita e desconexa.

A personagem de Ana, depois que entra  em depressão, se torna quase uma caricatura, a atuação não é nada sutil, ela entra batendo portas em casa e bravejando contra seu irmão o tempo todo, querendo se isolar de tudo, até chegar ao ponto de precisar ser medicada sob os cuidados de Carl. Tudo em um piscar de olhos, não há uma mudança gradual no comportamento de Ana, o filme se apressa em algo que poderia ser de crucial importância para a profundidade dramática da fase de luto e deixa o espectador com uma sensação de “algo faltando”. Embora esse direcionamento da personagem incomode, Priscila Steinman entrega a melhor atuação no longa. Quando sua personagem se recupera, ela leva o filme para alguns degraus acima e para um segundo ato mais consistente e interessante.

A segunda metade do filme se passa na Alemanha, a partir de outra decisão repentina e impulsiva vinda de Carl. Ele conta para a irmã que comprou de sopetão duas passagens para Frankfurt, fato que de cara causa estranhamento, visto que dois jovens de classe média e que ganham pouco, dificilmente tomariam esse tipo de decisão em um piscar de olhos. Novamente vem aquela sensação de reticências acerca das atitudes do personagem. Os irmãos acabam indo, com Ana a contragosto e fazendo birra o tempo todo, em busca das origens de sua família alemã e do passado obscuro de Helmut. 

Os irmãos Carl (Kauê Telloli) e Ana (Priscila Steinman) em cenas na Alemanha

Na Alemanha o clima melhora um pouco entre os irmãos e o filme mostra, através desta viagem, que eles se conhecem ainda menos do que imaginavam. A busca por reconexão com a história do pai acaba por aproximar os irmãos que antes só trocavam insultos e mal se entendiam. Rewald faz belas imagens fora do país, a vida noturna alemã e o cemitério no interior, trazem ótimos cenários muito bem fotografados, mas que não sustentam o filme, que parece constantemente perdido, com um roteiro de muitas escolhas que por fim parece não saber onde focar. 

Segundo Tempo despende bons minutos em depoimentos de cidadãos alemães, explora um pouco a história da guerra e contextualiza a época de Hitler para os sobreviventes e refugiados nesse processo de investigação de Carl e Ana sob a imigração de seu pai para o Brasil. Embora Carl fosse a pessoa mais entusiasmada em saber do passado, Ana é a única que consegue informações relevantes e toma decisões inteligentes na viagem, reforçando as figuras da irmã nerd e do irmão abobalhado. 

Os dois acabam tendo comportamentos promíscuos e arriscados na Alemanha e o filme faz questão de mostrar cada um, talvez como uma maneira de evidenciar o desequilíbrio emocional da dupla, mas muitas das situações criadas são providencialmente fáceis demais para ser verdade, tudo acontece sempre na hora certa, o que causa um desconforto que tira um pouco de imersão do filme. Não que a obra tenha obrigação com a verossimilhança, mas a narrativa também não abre espaço para a fantasia e parece que os irmãos são favorecidos pelo destino em diversos momentos nessa dramédia, ora divertida, ora confusa, de Rubens Rewald. A conexão com a imagem do pai não é tão potente e isso enfraquece o foco dramático de um filme sobre luto e investigação familiar.

Nota:

Filme distribuído pela Pandora Filmes e assistido via cabine de imprensa.

Author

  • Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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