Um Filme de Cinema | 2023
Sempre devemos lembrar que, além de um instrumento de registro de imagens, o Cinema é imaginativo, lúdico, como o fez Georges Méliès. Há, portanto, na Arte, e especialmente na de fazer filmes, uma natureza infantil que permite a viagem até outros mundos, outras histórias que não são reais, mas que passam a ser quando vistas. Uma câmera na mão e um monte de ideias na cabeça de uma criança podem fazer Cinema. O longa Um Filme de Cinema, de Thiago B. Mendonça, parte desse pressuposto, criando uma “brincadeira” ficcional e documental sobre essa dualidade da Sétima Arte: a seriedade de uma produção cinematográfica e a leveza de quem quer apenas se divertir inventando. Porém, a ideia que a princípio é digna, não é bem executada, tornando-se enfadonha e não se aprofundando para nenhum dos lados.
É assim que conhecemos Bebel (Bebel Mendonça), de 7 anos, e sua família: a irmã mais nova, a mãe e o pai, que é um cineasta em crise (interpretado por Rodrigo Scarpelli). Quando a professora propõe aos alunos que construam uma história e façam uma representação para toda turma, Bebel e seus amigos decidem por fazer um filme, algo que seria fácil já que seu pai trabalha com isso. Tal missão das quatro crianças do grupo exigiria que Bebel emprestasse a câmera de seu pai, o que nos leva ao ponto mais importante do filme: a contradição trabalho/diversão. No primeiro momento o pai nega à filha o uso do equipamento, algo caro e que não deve ser usado como brinquedo, como ele mesmo diz. Bebel imediatamente questiona: “por que não posso fazer um filme?”
Depois de um tempo de insistência da menina, o pai concorda em ensinar a filha a mexer no instrumento que vai registrar sua imaginação. O adulto, aquele que trabalha com Cinema, não consegue terminar sua produção em andamento. A criança, aquela que quer brincar de fazer filme, começa sua trajetória sem qualquer convenção.
O que é de mais interessante no roteiro, também assinado por Thiago B. Mendonça, é justamente essa ressignificação por parte do pai com relação ao Cinema. A chave para desburocratizar seu processo criativo está em se deixar infantilizar na presença da filha. Quando Bebel indaga seu pai sobre o que é o Cinema, mal podemos ouvir suas teorizações, isso porque ela pegou a câmera e a levou para registrar um caminho pela mata, algo que parecia muito mais intenso. É um “se deixar levar” que o adulto não tem.
O que fica evidente em Um Filme de Cinema é sua espontaneidade. Assim como o personagem, que é o alterego do próprio diretor e também pai verdadeiro de Bebel, o cineasta passa a entender a necessidade de se entregar ao lúdico da infância. É a liberdade criativa da filha, que desafia inclusive as regras da escola para fazer seu filme, que leva seu pai, em crise com a própria Arte, a repensar seu Cinema.
Por outro lado, Mendonça corre um risco muito grande em ter a sua forma espontânea confundida com superficialidade. Um Filme de Cinema não tem maiores questionamentos fora os já citados. Em alguns momentos pode ser engraçado, mas logo perde sua força pelas atuações travadas ou pela falta de preocupação com a mise-en-scène. Há a presença da cor vermelha em Bebel e em tudo que a envolve, ou seja, em praticamente todos os quadros, o que mostra que ela é o centro da obra. Mas tudo é muito morno, o que contradiz a liberdade criativa da infância proposta pelo próprio filme, e mesmo o uso das cores ganha pouco significado fora do óbvio.
Em Um Filme de Cinema vale tirarmos uma lição: nós, adultos já cansados, podemos e devemos aprender com as crianças. A Arte diz muito sobre essa intensidade que tão logo perdemos em meio ao mundo atribulado. Fazer um filme também pode ser brincar.
Um Filme de Cinema foi visto graças à cabine de imprensa pela Sinny Assessoria e Embaúba Filmes.