Máscara de Ferro | 2023
Kendo é uma arte marcial japonesa com raízes nas técnicas samurais. Usando espadas de bambu e uma máscara de ferro protetora facial, os oponentes se afrontam com permissão de acertar determinadas partes do corpo. A luta, que também é um esporte, para além do esforço físico, exige autocontrole e mente equilibrada.
É através do Kendo e sua lógica de embate e busca pelo equilíbrio entre corpo e mente que Kim Sung-hwan desenvolve seu primeiro longa-metragem. Máscara de Ferro tem como protagonista o jovem Kim Jae-woo (Joo Jong-hyuk), selecionado por uma academia de renome para participar do processo de escolha da equipe nacional de Kendo. É ali que ele vai enfrentar não só os desafios da competição, mas também seu maior trauma psicológico e familiar: seu principal oponente é Hwang Tae-soo (Moon Jin-Seung), lutador imbatível e responsável pela morte precoce de seu irmão.
Máscara de Ferro é um tanto curioso. A narrativa é conscientemente entregue ao melodrama, com direito a todos os clichês do gênero. Jae-woo, um exímio lutador, se vê desestabilizado pela presença de Tae-soo e tudo que ele representa em seu passado, perdendo-se na inconstância e no desequilíbrio de seus pensamentos. O designado inimigo do protagonista simboliza um duplo trauma. Através do Kendo, causou a morte de seu irmão, e ainda assim, teve como mestre o pai de Jae-woo, que optou por abandonar a família recém-enlutada para ensinar o assassino de seu filho.
Como se vê, um prato cheio de sinais constantes para que o protagonista desista de seus sonhos, pois jamais conseguirá vencer seu oponente ou superar seu trauma, seja através das ligações trágicas da mãe, que o rememora o tempo todo que não gostaria que ele ali estivesse, seja pela queda do desempenho de Jae-woo, que não consegue mais se concentrar em nada que não seja vingança. Kim Sung-hwan se permite flashbacks bastante dramáticos, que revivem o sofrimento do protagonista na infância.
Entretanto, quando tudo indica um caminho ao melodrama convencional, o diretor surpreende ao conduzir tudo com muita compostura e beleza. As lutas de Kendo assumem um aspecto meditativo e peculiar, como se isolasse os esportistas do mundo tamanha a concentração exigida, importando apenas a respiração e sua constância.
Kim Sung-hwan sabe bem conduzir nosso olhar não apenas ao embate em si, mas nos concentra em símbolos ali presentes que são relevantes para a narrativa. A mão do protagonista que insiste em permanecer cerrada na espada de bambu, marca que será revista em seu passado, presente e futuro, tal qual as amarras e a tensão que ele precisa liberar para superar seus traumas. A perda do controle emocional que diretamente vai influenciar na qualidade de sua luta, equilíbrio que só será alcançado a partir da retomada de seu ritmo respiratório. Tudo parece compor uma dança muito bem elaborada, numa câmera que coreografa e enlaça a simbologia ali presente.
O saldo de tudo é muito equilibrado e o resultado é bastante interessante, agradável. O melodrama está ali, o diretor gosta dele, mas sua condução é leve e te faz adentrar no filme sem que nada pese em excesso. Máscara de Ferro faz duvidar, mas ao final te coloca um sorriso no rosto.
Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui