Robot Dreams | 2023
Num mundo onde animais fazem as vezes dos seres humanos, Dog é um cachorro que mora só, se alimenta dos mesmos industrializados todos os dias, e vive uma rotina repetitiva. Quando a solidão bate à sua porta, o protagonista compra um produto robótico idealizado justamente para suprir a falta de companhia. Dog e Robô, então, se tornam amigos inseparáveis. Robot Dreams, animação hispano-francesa de Pablo Berger e vencedor do prêmio de melhor filme da seção Contrechamp do Festival de Cinema de Animação de Annecy e exibido no Festival de Cannes, se inspirou na história em quadrinhos de Sara Varon para construir, a partir dessa premissa singela, um filme muito bonito sobre a urgência em conectar-se com o outro.
A amizade que surge entre esses improváveis personagens é retratada com bastante otimismo e inocência pelo diretor, que tira Dog de seu apartamento monótono, sem cor e sem energia para colocá-lo junto de seu Robô nas ruas de Manhattan, que se tornam vibrantes e cheias de vida. A relação construída entre eles é de aprendizado mútuo. Robô é como uma criança que se espelha no adulto, que imita seus gestos, que se inspira para conhecer o mundo. Dog, por sua vez, aprende com seu amigo inocente a olhar as coisas como novidade, e, sobretudo, faz a experiência de dividir momentos com o outro, vivencia o afeto.
O outro, porém, é um produto desenvolvido pelo capitalismo para suprir a solidão, um substituto das relações verdadeiras. A solidão que dói e que só aumenta ante a dificuldade de socialização do protagonista é suprida por um objeto. Ainda assim, o diretor consegue certeiramente direcionar nossa simpatia e empatia ao Robô, trabalhando com entusiasmo sua inocência. Quando um obstáculo precisa ser superado e Dog necessita salvar seu amigo, somos levados a imediatamente torcer e se emocionar com ele, construído como se parecesse sentir muito mais que alguns animaizinhos daquela sociedade de Robot Dreams.
Pablo Berger une e separa seus personagens, nos faz clamar pelo reencontro. O tempo que decorre na separação é belamente demarcado pela passagem das estações, e Robô vai sofrendo especialmente com os fenômenos de cada uma delas. Entretanto, ao invés de reforçar o apego, o diretor os distancia em prol do respeito do espaço de cada um: a demonstração de amor através da compreensão da mudança das relações, do afeto que permanecerá, mas que não fará replicar momentos.
Os ditos sonhos que Robô tem, quando idealiza o reencontro, brincam com o imaginário, enganam o espectador e fazem doer o coração. Robot Dreams é um filme delicioso. Das relações que se formam, ficam as memórias boas, o carinho das imagens vivenciadas, e segue-se com esses retalhos que formam o todo que é nossa vida.
Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui