L’Empire | 2024

L’Empire | 2024

Num pitoresco vilarejo de pescadores na Opal Coast, na França, o nascimento de um bebê é um acontecimento que vai gerar uma grande guerra entre forças alienígenas numa luta final entre o bem e o mal. A princípio, a sinopse de L’Empire, dirigido por Bruno Dumont, não se encaixa com o filme que se inicia. O diretor nos localiza num plano geral que já mostra sua primeira personagem, à distância: uma praia de areias claras, uma mulher nua falando ao celular com certo desdém, uma trilha sonora clássica que de tudo destoa. Sons de pássaros dão um tom bucólico interiorano. Nada típico de um filme alienígena.

Os questionamentos logo se iniciam. Em uma casa simples, de gramado mal cuidado, com brinquedos de criança no quintal, uma senhora segura um bebê muito loiro – o wain born, o bebê do mal, e o tempo se aproxima para que ele tudo domine com sua maldade. Jony (Brandon Vlieghe), um pescador, homem simples e de aparência até fragilizada, é cumprimentado com “Sua Graça”, é pai da criança, líder dos cavaleiros do wain, cuja missão é proteger a criança. Nesse ponto, começamos a refletir: mas o que é exatamente isso que estamos assistindo?

Nesse mundo, digamos, bizarro, há duas raças além da humana: a raça 1 e a raça 2 (sim, é isso mesmo), inimigas mortais. Quando surgem sabres de luz, e os cavaleiros caipiras andam à cavalo ao som de uma música clássica exagerada em galopes nada amedrontadores, e um dos personagens diz “o inverno está chegando”, já é possível compreender um pouco melhor o que pretende o diretor.

Bruno Dumont nos dá uma sátira extremamente inusitada e irônica sobre as ficções científicas de aventura e fantasia. Usa das naves, dos diálogos fracos e frases de efeito num contexto onde guerreiros aliens andam à cavalo com roupas de pescador e o vilão viril desejado por todas as mulheres é um homem que em nada se assemelha aos personagens típicos dessas histórias. A comédia aqui vem do mais bizarro e absurdo cenário possível.

Enquanto a raça do mal é liderada por um homem, a raça do bem o é por uma mulher, Jane (Anamaria Vartolomei) cujo fiel escudeiro é um jovem que, podemos considerar, é a típica representação do nerd, que se empolga quando precisa cumprir alguma missão que o tornará meio alienígena. A líder feminina é quem detém os sabres de luz, treinando seu pupilo em meio à um milharal. 

É possível comprar a proposta de Bruno Dumont até certo ponto. A ironia está ali, a brincadeira com Star Wars, Game of Thrones e o mundo pop da ficção fantasia é evidente, ele assume o tom e permanece nele do princípio ao fim. Não deseja, em nenhum momento, ser levado a sério. É muito interessante os contrapontos mais absurdos que ele faz, posicionando aliens no lugar mais improvável, encaixando bizarrices a todo momento, brincando com uma guerra que não tem propósito e nunca acontece.

Entretanto, o diretor vai longe demais quando coloca figuras subservientes, sem face, cuja pele é substituída por uma espécie de meia de cor preta, dançando em insinuação sexual, remetendo imediatamente ao black face. Incomoda quando a líder feminina da raça 2 é assediada pelo líder homem da raça 1 e ainda assim se sente forte e incontrolavelmente atraída por ele. Perde totalmente o tom e a graça ao sexualizar descaradamente mulheres e reduzí-las à objeto sexual.

Ele até pode intencionar fazer tudo isso em tom de crítica, já que a ironia é, de fato, uma constante, mas conseguiu apenas fazer perder o humor e surgir a seriedade e o forte incômodo. Seu universo excêntrico e estranho ganha pelo nonsense, mas perde demais ao ultrapassar algumas linhas importantes e beirar a ofensa.

Direção: Bruno Dumont
Com: Lyna Khoudri, Anamaria Vartolomei, Camille Cotin
País: França, Itália, Alemanha,  Bélgica, Portugal
Assistido no dia 18/02, no Cinemaxx
Mostra: Competitiva

Nota:

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