Pepe | 2024
Assistir Pepe na 74ª Berlinale foi uma tarefa que me impus como obrigatória. Afinal, trata-se de uma ficção cujo protagonista é um hipopótamo. Dentre muitas experiências inusitadas proporcionadas pela curadoria do festival, essa certamente seria a maior.
Pepe nos conta a história dos hipopótamos de Pablo Escobar. Os animais foram retirados de seu habitat natural, levados para a América do Sul, para atender aos caprichos do famoso traficante. Os animais viviam livres, mas em pleno deslocamento ante o descabimento de suas presenças ali. Sofriam com a falta de alimentação, desequilíbrio populacional, interferiram na fauna local e na dinâmica de vida das pessoas no entorno daquele espaço. Tudo foi drasticamente afetado.
O diretor dominicano Nelson Carlos de Los Santos Arias faz um cinema ousado. Foge do documentário que seria uma usual narrativa para o caso, e opta pela ficção, confiando na voz que dá ao hipopótamo Pepe e seus pares para vigiar e contemplar a exploração daquela espécie por um único homem. Faz tudo com uma certa estranheza contemplativa com pitadas experimentais e um humor bizarro.
Santos Arias é não linear e pouquíssimo convencional. Faz Pepe narrar sua própria miséria e de seus irmãos, com uma voz grave que ele reflete não saber se realmente é dele. O grunhido do animal dá espaço à uma risada excêntrica, que acaba se tornando justamente o elemento de humor que soa até afrontoso naquele contexto.
Intercala-se a captura criminosa dos animais no continente africano e a viagem deles até a América do Sul, com imagens de um desenho animado que tem como protagonista um hipopótamozinho chamado Pepe. Ou ainda, faz uso da tela vazia para apenas ouvirmos a narração do protagonista. Muda novamente para falar sobre o caráter mercadológico a que se reduz aqueles animais, mostrando pessoas animadas tirando fotos e selfies.
A fim de retratar a afetação também das relações humanas, o diretor se demora na vida de um casal, revelando ainda a dinâmica machista daquele contexto, em que mulheres simplesmente desistem de seus casamentos sem deles exatamente sair. É uma escolha um tanto curiosa. O homem é quem vai cruzar com o hipopótamo em suas pescarias, e sai contando a típica história de pescador sobre um monstro enorme que quase causou sua morte. A partir de sua denúncia, a vida humana irá interferir na vida animal. O medo de sua força e velocidade dentro d´água falará mais alto.
Pepe é mesmo uma viagem, confusa, muito estranha, bizarramente engraçada em muitos pontos, que curte seu próprio experimento, e que começa pelo fim, nos dando ciência da morte de seu protagonista. De fato, uma situação bizarra (e repito, criminosa) que simplesmente captura animais de savana para que cruzem o oceano e tentem desesperadamente se adaptar à região amazônica, merece uma abordagem não convencional. A construção rendeu a Nelson Carlos de Los Santos Arias Pepe o prêmio de melhor diretor da Mostra Competitiva.
Direção: Nelson Carlos De Los Santos Arias
Com: Jhon Narváez, Sor María Ríos, Fareed Matjila, Harmony Ahalwa, Jorge Puntillón García
País: República Dominicana, Namíbia, Alemanha
Assistido no dia 19/02, no Cinemaxx
Mostra: Competitiva