Clube Zero | 2023

Clube Zero | 2023

O filme tenta chocar com discurso sobre disfunção alimentar, mas se perde bastante na mensagem

“Você é o que você come”. No caso de Clube Zero, filme escrito e dirigido pela austríaca Jessica Hausner, faria mais sentido recolocar a conhecida afirmação: “você é o que você não come”. Exibido no último Festival de Cannes, onde concorreu na Seleção Oficial à Palma de Ouro, o longa tenta, de maneira asséptica e visualmente metódica, tratar de assuntos como consciência alimentar,  trazendo um viés polêmico e militante sobre o tema, para chegar em sua principal questão: a de que grande parcela de jovens é negligenciada por seus pais em suas questões psicológicas e tarefas do dia a dia e as consequências disso.

Estrelado pela também austríaca, mas de ascendência polonesa, Mia Wasikowska, conhecida por ser o rosto de Alice em Alice no País das Maravilhas dirigido por Tim Burton, aqui interpreta a séria e rígida professora Miss Novak. Ela consegue uma vaga de emprego em um colégio de elite para ensinar nutrição. Novak, que lidera um grupo de jovens abastados, tenta implementar seus controversos conceitos alimentares aos poucos, primeiro sugerindo que todos reduzam drasticamente a quantidade de alimento que consomem. Respaldada por uma filosofia baseada na crença de que “não precisamos comer tanto quanto dizem que é necessário”, e que vai gradativamente se tornando mais radical, mesmo sem apresentar argumentos que justifiquem essa ideia, ela não encontra muitas dificuldades em convencer os jovens a segui-la nesta perigosa jornada.

O grupo de alunos é composto por adolescentes, em sua grande maioria brancos, magros, com estrutura padronizada e com uma única personagem negra, que não faz parte do núcleo principal de atuações. A professora, para conseguir angariar mais engajamento dos jovens em sua crença, começa a agir de forma que extrapola o meio acadêmico, se envolvendo em questões mais particulares dos alunos, como levar um deles para um passeio ao teatro, demonstrando empatia com o sofrimento do rapaz com pais ausentes e distantes. A ética vai se distanciando cada vez mais das abordagens da professora, que entra progressivamente na mente de seus pupilos. Tal abordagem chega a lembrar a do filme alemão A Ondadirigido em 2008 por Dennis Gansel, onde um professor dissemina ideias nazistas a seus alunos, os convencendo a aderir a sua filosofia e provocando uma enorme e perigosa revolução na cabeça dos jovens.

Em Clube Zero há uma forte tentativa de chocar através dos ideias altamente manipuladores e nocivas da novata Miss Novak, mas comparados ao forte exemplo do filme alemão, soa como um ensaio mal feito de uma ideia mal amarrada. Se utilizando de uma estética que emula cores de Wes Anderson, com predominância dos tons pasteis e de enquadramentos simétricos, a diretora austríaca se perde ao tentar alinhar a disciplina visual ordenada e metódica, dos os uniformes escolares padronizados, das horizontalidades das formas nos frames, à disciplina escolar e às regras alimentares severas, mas que visam um objetivo bastante vazio. 

Ao tentar argumentar sobre a importância da “não alimentação”, a protagonista usa de um discurso ambientalista com um viés político anticapitalista e anticonsumo, pregando contra a indústria alimentícia e seus lucros. Isso contraposto aos cenários luxuosos e requintados das casas dos estudantes de classe alta, que se recusam, por exemplo, a comer sushi na ceia de Natal. Somos submetidos a cenas escatológicas como as da jovem que vomita seu lanche servido na cama e depois come o conteúdo lentamente para convencer seus pais da seriedade de sua decisão. Talvez tentando pegar emprestado a apatia dos personagens e a esquisitice do cinema grego de nomes como Yorgos Lanthimos, por exemplo, a diretora busca saídas para ser original, mas só dilui ideias que não se sustentam dentro de seu filme.

Há também diversos momentos em que, no processo de evolução de alguns jovens em controlar seus impulsos alimentares, que na verdade nunca foram compulsivos (era apenas fome), há a indução de vômitos no banheiro, como uma manifestação de ideias bulímicas. A mãe da jovem que decide expelir o que ingeriu à mesa, é, de certa forma, condescendente, por vezes recusa a comida servida pela empregada, indicando uma preocupação com o controle de peso (mesmo sendo uma pessoa magra), e deixa a única postura de rigidez ao pai. A forma como a questão da disfunção alimentar é tratada no filme é oca, pois nenhum dos adolescentes apresentavam tais problemas ao entrar para a (quase) seita de Novak, ressaltando assim o poder da pura engrenagem da manipulação, somada a forma rasa como a direção salienta a relação desses jovens com suas famílias.

A representação da figura dos pais em Clube Zero é bastante caricata, reduzindo-os a um grupo de adultos negligentes, mas também pouco inteligentes, que praticamente não questionam os métodos da professora, nem o embasamento de sua filosofia alimentar. Os alertas de que algo está errado com seus filhos só surgem quando certas consequências físicas ficam impossíveis de passar em branco. No mais, conseguem ser tapeados com desculpas esfarrapadas durante consecutivos dias. Os cinco jovens que decidiram seguir os ensinamentos de Miss Novak, que passa a ser tratada por eles como uma espécie de guru, começam a adoecer, mas o filme vai além e leva a um desfecho que soa delirante em seu foco do choque pelo choque, tornando a obra mais preocupante do que, de fato, interessante.

Clube Zero chega aos cinemas em 25/04, distribuído pela Pandora Filmes

Nota

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  • Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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