Caminhos Cruzados | 2024

Caminhos Cruzados | 2024

 Um filme sobre aceitação, redenção e perseverança.

Às vezes, amolecer um coração não é tarefa fácil. Algumas pessoas carregam ideais tão fortes, tão enraizados, que é como tentar perfurar uma parede de pedra com uma colher. Em Caminhos Cruzados, de Levan Akin, essa jornada de humanização acontece com Lia (Mzia Arabuli), professora aposentada que precisa cumprir uma promessa e reencontrar sua sobrinha, expulsa de casa após se assumir transexual. O filme é um comovente road movie, partindo da Geórgia para a Turquia, onde vidas se cruzam entre o drama e a comédia para criar uma história de aceitação.

As primeiras cenas podem nos enganar sobre o que virá a seguir. Iniciamos dentro da casa de uma família que parece ser desestruturada. Uns gritam com os outros, trocam xingamentos e reclamações. É um ambiente caótico e hostil. Até que acontece o primeiro cruzamento de histórias. Lia, caminhando à procura de pistas sobre Tekla, sua sobrinha, acaba parando em frente a esta casa. Coincidentemente, ela já era conhecida por eles, pois havia lecionado ao patriarca. Convidada a tomar uma bebida, entra e descobre que o jovem Achi (Lucas Kankava) tem informações sobre o possível paradeiro de Tekla. Temos, então, o surgimento da inesperada jornada seguida por Lia e Achi até a Turquia.

Por mais que as histórias se atravessem, cada uma tem  sua particularidade. Lia carrega um semblante sério e obstinado buscando a redenção de uma questão passada; Achi é um jovem ansioso e impulsivo que vê ali a oportunidade de fugir da opressão e hostilidade que encontra em casa. É bonita a forma como Akin junta esses personagens, fazendo com que um interfira no outro, ressignificando suas existências. Ao longo de Caminhos Cruzados, isso ocorre com todos que passam por eles, em uma troca de potencialidades.

O convívio entre os dois, inclusive dividindo o mesmo quarto de um hotel barato, gera situações inconvenientes que acabam se tornando engraçadas. O garoto, depois de não conseguir dormir, resolve sair à noite em busca de um emprego. Achi é um esfomeado, não só por comida, mas também por diversão. Acaba, não por acaso, virando a noite em uma festa. Lia, a princípio, trata-o com a mesma hostilidade que seus parentes em casa. À medida que o tempo passa, ela parece o adotar como um neto, e ele a segue como uma avó, com preocupação e cuidado.

No decorrer da projeção, Caminhos Cruzados ganha em humor, afinando o relacionamento entre os dois personagens principais. Mas isso acontece sem que se perca o caráter dramático de toda a situação. Não esqueçamos que Lia está em busca de sua sobrinha, que, supõe-se, vive em condições de prostituição e drogadição nas ruas da Turquia. Esse drama se reafirma quando cruzam com Evrim (Deniz Dumanli), advogada trans que defende uma organização em prol de pessoas na mesma situação em que estaria Tekla.

Evrim tem seus próprios dilemas, mas representa a esperança e a força necessárias para dar sequência à jornada de Lia. Quando os três se juntam, nos brindam com grandes atuações, destacando Arabuli, que começa como uma senhora ranzinza e termina com uma ternura no olhar que nos cativa. A parede de pedra se rompe e vemos que, além da jornada física, há a espiritual. Lia é redimida.

Caminhos Cruzados é um filme que para nós brasileiros pode lembrar Central do Brasil (1998), de Walter Salles, ainda que não tenha a mesma força. Dada suas proporções, é importante a atualização temática dessa humanização e redenção de uma personagem mais velha e fechada, trazendo temas como gênero e migração. Akin conduz a direção sem muita pressa, dando tempo para a construção de uma relação tão singela, nos comovendo a cada troca de carinho (mesmo que sem jeito) entre eles.

O filme esteve nos festivais de Tribeca e Berlinale, sendo visto em sua exibição no 13º Olhar de Cinema, onde recebeu o prêmio do público de Melhor Longa Metragem.

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