Os Paraísos de Diane | 2024
A serenidade de uma mulher que dá à luz, mas não se compreende como mãe
Um casamento feliz, uma gravidez, um sexo bom, uma vida estável e de conforto. O ideal familiar desenhado pela sociedade pertence à Diane (Dorothée de Koon). O marido (Roland Bonjour) acaricia sua barriga durante a relação, ansioso pela chegada da criança. O parto acontece, os familiares a visitam felizes, interagem com a recém-nascida, enquanto Diane se enclausura no banheiro de seu quarto hospitalar. À sós com o marido, não consegue pensar num nome para a filha. Sozinha com a filha, não consegue tocá-la, não demonstra qualquer identificação ou conexão materna. Ainda na maternidade, com a roupa do corpo e serenidade em seu semblante, Diane decide ir embora, tomando o primeiro ônibus, sem planos ou rumo, sem aviso.
Os Paraísos de Diane, dirigido por Carmen Jaquier e Jan Gassmann, integrou a Mostra Panorama da 74ª Berlinale e a Mostra Competitiva Internacional do 13º Olhar de Cinema, e segue muito próximo essa mulher que, fisicamente, foi capaz de gestar e parir. Não há qualquer intenção de julgar suas ações, pelo menos não a princípio. Ela vai sendo levada pelas situações e pelas pessoas que encontra e se conecta, sem nenhum objetivo específico que não o de permanecer longe da atribuição social de se tornar, obrigatória e automaticamente, mãe, função que psicologicamente ela não sente que seja sua.
Jaquier e Gassmann imprimem uma inquietude estética que não transparece na protagonista, mas que reflete seu resolvido, mas apreensivo estado de espírito. A trilha sonora ecoa sempre como um alerta, incômoda, muito alta, tal qual o choro do bebê, colocado num tom acima de qualquer outro som. Com muitas cenas noturnas, as luzes dos carros, dos letreiros, da cidade, remetem às sirenes e focos de luz teatral, como se a personagem fosse o centro do mundo e aguardasse o tempo todo algo acontecer. O marido que a procura ligando incessantemente é simbolicamente enterrado com o celular e a vida que ela gostaria de esquecer. Ela enterra o celular, mas é muito consciente do ponto de não-retorno que chegou.
Os sinais imagéticos interessantes desse estado de espírito, pleno por fora e caótico por dentro, saem da personagem para assumirem um caos organizacional que bagunça o filme e peca pelo excesso daquilo que deseja transmitir. Os Paraísos de Diane não se preza a dar explicações e nem julgar a protagonista, mas cria para ela conexões um tanto forçadas com outros personagens, posicionando coisas e situações para justificar alguns rumos. A mulher que Diane encontra caída na rua vai acolhê-la em seu apartamento, formando com ela uma estranha relação de cuidado. O quarto do hotel que ela vai se hospedar fica numa rua onde há muitas luzes piscantes e sons de música alta – já sabemos que a personagem, em algum momento, terá uma cena de redenção nas casas noturnas. Esse caminhar noturno de Diane é até muito bonito, os arredores dela fora de foco a mantém sempre sob nossa atenção. Mas a mensagem libertadora é batida, óbvia e excessiva.
Por bem, não há arrependimento por parte de Diane, mas os diretores sentiram necessidade de trabalhar a redenção da personagem, a conectando novamente ao marido de forma muito contraditória à potência dessa mulher. Ela precisa ser salva por ele, precisa fazê-lo conhecer da certa liberdade que ela está vivenciando, como se sua escolha se reduzisse tão somente a isso, esquecendo-se do fator psicológico e sensorial relacionado ao “não sentir-se mãe”, determinante no início do longa. Os paraísos de Diane são aqueles que ela mantém por dentro, longe de sua capa enigmática. Ela é, como reforçado diversas vezes, uma ilha selvagem, de pedra. Se havia uma intenção de reforçar a protagonista como mulher selvagem, possuidora de uma alma e desejos a zelar, a ideia enfraqueceu sobremaneira. Se Diane, de alguma forma, buscava seu rumo migrando de paraíso em paraíso, o longa se mostrou mais desnorteado que sua protagonista.