Mambembe | 2024

Mambembe | 2024

Realidade e ficção no circo itinerante brasileiro

Mambembe, mais recente filme de Fabio Meira (do aclamado Tia Virgínia) nos transporta ao interior de Pernambuco, com toda a aridez de uma terra calorosa onde o sol brilha intensamente, para nos fazer conhecer mais intimamente as pessoas por trás de seus personagens dentro do circo mambembe. No Brasil, existem mais de 20 mil pessoas que fazem parte da população circense itinerante, distribuídas em cerca de 800 circos de diferentes portes. Meira, com a intenção de realizar seu primeiro longa-metragem, grava imagens e depoimentos para um projeto que nunca foi finalizado. Mambembe é resultado da utilização desse material de pesquisa, transformado em algo novo.

Sem perder o caráter ficcional, somos guiados inicialmente à linguagem do documentário, como um prólogo do que seria a pesquisa de seu filme sobre o circo. Acompanhamos entrevistas com relatos pessoais das histórias de vidas e trajetórias de artistas vindos de diversos estados brasileiros até uma cidadezinha pernambucana, se unindo ao circo de Índia, que é a grande personagem e alma do filme. Meira levanta a todos a mesma questão: “Para se fazer um filme sobre o circo, como seria esse filme?”, algumas respostas são vagas, até perdidas, mas essencialmente o que o diretor mais capta dessas respostas é o fato de que o filme deveria ser feito pelos próprios artistas, não por atores os representando.

A narrativa então segue de forma muito coerente a partir dessa ideia, de que eles são os artistas e os atores, criando uma divisão entre a linearidade da “vida real” de cada um, e a de suas histórias inventadas, de como seriam no filme planejado há quinze anos. O fato de Meira encontrar pessoas cheias de profundidade para compor a obra como personagens – Dandara Ohana e principalmente Madonna Show e Índia Morena, são peças que dão extrema força a Mambembe, quando elas doam genuinamente suas histórias e o diretor tem a sensibilidade e a cordialidade de ouvi-las com atenção.

Ao longo do processo, o diretor também se torna personagem e trata o ofício de se “fazer filme” como tema, usando metalinguagem com a narração de trechos do roteiro original, o que ajuda a amarrar melhor o conceito de sua narrativa inicial, unidas às imagens encenadas pelos artistas e por Murilo Grossi, único ator contratado, que faz o papel de um topógrafo que fotografa estradas, encontra as personagens circenses e se envolve com elas. 

Como no cinema de Adirley Queirós, cineasta brasiliense que mescla casos reais com a ficção, trazendo uma forma totalmente original de contar suas histórias, e, bem mais do que isso, de mostrar uma realidade única de um ambiente que conhece e se dedica a pesquisar, Meira faz de Mambembe um documento e um experimento de ideias, criando realidades fictícias aos personagens, dando sentido a um material que parecia perdido, inserindo a si próprio como parte da história, quando faz referência a seu pai como fonte de inspiração de um dos personagens, finalizando uma obra híbrida bastante tocante.

Nota

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  • Jornalista carioca, editora e crítica de cinema. Tem foco de interesse e pesquisa em cinema de gênero e feito por mulheres.

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