Quando a Luz Arrebenta | 2024

Quando a Luz Arrebenta | 2024
O silêncio entre a falta e a não elaboração da falta.

O mais novo filme do islandês Rúnar Rúnarsson, Quando a Luz Arrebenta, explora a dor da perda a partir da ausência de sua elaboração, trazendo à tona os silêncios e os choros que daí surgem.

Logo no início do longa-metragem, somos apresentados a um casal adolescente e apaixonado, Diddi e Una, ambos integrantes de uma banda de rock. Contudo, logo em seguida, o diretor jarreta qualquer possibilidade de vermos a continuidade daquele relacionamento cheio de planos e vivacidade: o rapaz morre em um acidente de carro. E é a partir desta perda que a narrativa se desenrola com maior vigor.

A notícia da tragédia corre por entre os amigos de Diddi e, consequentemente, chega em Una. Rúnar é competente na forma de tratar as diferentes formas como o recebimento de tão grave notícia impacta cada amigo do jovem (e suas famílias), afinal, a “natureza das coisas” faz com que não seja comum que os adolescentes e seus familiares percam alguém de suas idades. Há os que recorrem ao álcool para aplacar a dor, há os que recorrem ao tabaco, ao choro, à simples negação da notícia, etc.

É neste contexto que somos apresentados à namorada de Diddi, Klara, o que nos faz perceber que o romance que ele tinha com Una era extraconjugal. Com isso, traz-se uma nova e interessante “camada” ao filme, pois ao romance bonito e jovial inicialmente exposto, passa a cair o “manto” da imoralidade do adultério. E, talvez, o próprio pesar de Una passe a contar com um novo cariz, pois ao ter que interagir com Klara, que obviamente sofre com a morte do namorado, surge uma tensão acerca se aquele relacionamento entre Una e Diddi será revelado, como Klara reagirá se souber que o seu namorado morto a traía, o ciúme que há entre as duas ou o segredo que Una, em meio a dor, deve guardar. 

O diretor parece partir da presunção de que há uma impossibilidade de elaboração daqueles jovens acerca do luto. Assim, eles não conseguiriam fazer outra coisa para além de chorar muito, negar o ocorrido, afastar-se ou, simplesmente, ficar em silêncio. E as cenas que retratam essas “fugas” utilizadas para lidar com a perda, se repetem várias e várias vezes ao longo da (relativa) curta duração do filme.

No caso de Una, em específico, há o silêncio por não poder revelar a todos sua real relação com Diddi, o romance às escondidas que tiveram. A ela recai, em especial, a dor de não poder falar o que sente, pois seria revelar seu romance extraconjugal que faria cair por terra a ideia, levada a cabo pelos amigos, do romance perfeito que Diddi e Klara tinham. Assim, em termos práticos, o silêncio de Una pode vir de outro lugar (o segredo que deve guardar), que não a sua impossibilidade de elaborar a dor oriunda de sua pouca idade e a natural “falta de repertório emocional/vivencial” que ela usualmente traz. Ainda assim, o “local” de onde vem o silêncio de Una, que se une ao silêncio propagado por seus amigos, não é explicado e é bom que seja assim.

Isso porque, no que concerne aos personagens (secundários) amigos de Diddi, o diretor parece considerá-los incapazes de expor de forma mais detalhada suas emoções e sentimentos, fazendo com que esse vazio na elaboração da dor se reflita na repetição de cenas de choro, abuso de álcool, etc.

Em relação especificamente a Una, Rúnar Rúnarsson dedica-lhe outros elementos que trazem mais acerca de sua dor: a insensibilidade do seu pai em conversar com a filha acerca da morte de Diddi e a aproximação que ela passa a ter com Klara, a namorada do garoto falecido, de quem era amante. A tensão inicial envolvendo a aproximação de ambas, torna-se, de forma orgânica e fluida, uma amizade, irmanadas pela dor da perda, ainda que a Una caiba a dor contida e marcada pelo grande segredo que necessita guardar. 

Duas cenas em específico demarcam essa aproximação de certa forma improvável: Una e Klara, interagindo com a que parece ser a icônica Hallgrímskirkja (grande igreja luterana situada em Reykjavik) em que Rúnarsson utiliza de interessante experimentação; e a sobreposição de seus rostos, em cena em que se olham, denotando, de forma evidente, uma certa identidade de seus sentimentos e posições acerca do ocorrido: a morte do amado. Nesses momentos, sobressai-se o competentíssimo trabalho da islandesa Elín Hall, que interpreta Una.

Ao trazer como ponto nodal do longa-metragem a dor e a traição, Quando a Luz Arrebenta, que poderia descambar para um caminho de exposição de brigas e dissenso, acaba por seguir outra rota, tornando-se um filme que, ao não julgar seus personagens, lança um olhar bastante compreensivo a eles, que irmanados pela dor da perda, passam, a partir de suas conexões e afetos, seguir em frente em busca da superação, ainda que, muitas vezes, através do silêncio.

Nota:

Author

  • O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

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