Sol de Inverno | 2024

Sol de Inverno | 2024

No interior do Japão, em geral, culturalmente as pessoas são mais fechadas e introspectivas, sem tanta frontalidade no diálogo, acabam se comunicando mais indiretamente e pelas bordas das situações. A partir desse ponto de vista, bastante retratado no cinema oriental, é interessante observar a construção narrativa de Sol de Inverno, segundo longa dirigido por Hiroshi Okuyama que foi premiado na categoria Un Certain Regard  do Festival de Cannes este ano. O jovem diretor japonês de 28 anos tem notoriamente influências de Hirokazu Kore-eda, cineasta veterano que comumente aborda questões como família e infância em seus filmes. Não por acaso, Okuyama e Kore-eda trabalharam juntos dirigindo episódios da série japonesa Makanai: Cozinhando para A Casa Maiko, sobre a vida contemporânea em uma casa de gueixas em Kyoto, disponível na Netflix.

Em Sol de Inverno, as relações vão sendo construídas lenta e timidamente, quando acompanhamos a trajetória de Takuya, o protagonista mirim interpretado por Keitatsu Koshiyama, um menino que é jogador de Hockey e não se sai muito bem no esporte, mas acaba descobrindo um interesse e talento pela patinação no gelo enquanto observa o treino da jovem Sakura (Kiara Nakanishi), que faz aulas regulares com o professor Arakawa (Sosuke Ikematsu) no mesmo ringue de patinação. Atento ao interesse de Takuya, o professor volta seus olhares para o menino que parece fascinado pelos movimentos de Sakura. Através de uma aproximação de interesse genuíno eles começam a patinar juntos, e Arakawa ajuda o desajeitado rapaz a melhorar seus passos, pegar ritmo e maior apreço pelo esporte.

Arakawa é um ex-patinador profissional que atua como professor em uma cidade no interior do Japão, esporte que fica em alta no inverno, por causa da neve. Vendo em Takuya um talento a ser aproveitado, ele vira um canal de aproximação entre o menino e Sakura e os incentiva a patinarem em dupla. Uma bonita relação de amizade é estabelecida para além do ringue de patinação, momentos de comunhão são partilhados, sempre pautados na disciplina dos treinos, mas pelas bordas dessa relação existe a manifestação de um elo afetivo que parece preencher principalmente a vida do professor e do novo aluno.  

Sol de Inverno se sai muito bem ao abordar a temática queer, quando nos conta sobre a vida particular do professor, que vive com o namorado, de forma bastante discreta e afetuosa na cidadezinha japonesa. Sua relação homoafetiva não interfere de forma alguma em como Arakawa se comporta com seus alunos, no entanto, ao ser descoberto por Sakura, é julgado e sofre duras consequências por sua sexualidade. Os momentos que o trio recém formado passam juntos são retratados com inocência e leveza, adornados por uma bela fotografia, com a luz do sol vazando nas imagens, contrastando com a baixa temperatura, o extremo branco do gelo e as árvores ressecadas pelo frio. A homofobia, entranhada na cultura local, aparece de uma forma contrastante com o trato singelo e afetuoso que há entre o professor e seus alunos antes do fato ser revelado.

Okuyama faz uma obra que trabalha o afeto nas entrelinhas, como forma de cura para as dificuldades e limitações pessoais dos personagens, como a gagueira hereditária que dificulta ainda mais a comunicação do tímido Takuya e sua pouca experiência na patinação sendo abraçada por Sakura, mais experiente e disposta a treinar seriamente com ele. A reciprocidade e confiança entre professor e aluno reacendem em Arakawa o entusiasmo com seu ofício. Passar por situações de preconceito é algo que rompe o elo entre os três e que faz Arakawa  pacificamente se afastar, evidenciando uma rachadura que ainda está presente culturalmente no Japão e no mundo.

Nota

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  • Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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