Gladiador II | 2024

Gladiador II | 2024

Após 24 anos do lançamento de Gladiador (2000), e apenas 1 ano depois de Napoleão (2023), Ridley Scott, que parece ter se tornado um diretor com bandeira branca para fazer o épico histórico que bem entender, traz ao mundo Gladiador II, que estampa os acontecimentos do Império Romano 16 anos após o fechamento do primeiro filme. Em uma continuidade linear, um Império decadente agora é governado pelos gêmeos corruptos Caracalla (Fred Hechinger) e Geta (Joseph Quinn). O povo vive na fome e na miséria, e generais a mando dos irmãos continuam a conquistar terras em nome imperial.

Uma dessas conquistas, liderada pelo General Acacius (Pedro Pascal), vai culminar na captura de Lucius/Hanno (Paul Mescal), escravizado e levado à capital, e que será o personagem-elo a conectar os dois filmes. Por sua força e raiva, ele vai chamar atenção de Macrinus (Denzel Washington), que o recruta como gladiador, e sua sobrevivência lhe rende pontos para conquista da liberdade. A trama se desenrolará nas suas conquistas como lutador das arenas, noutras atenções que ele vai atrair, nas naturais lideranças que ele vai assumir com sua humildade e bom coração, até que encontre seu ponto de redenção no abandono de sua ira, especialmente direcionada à Acacius, responsável pela morte de sua amada. 

Gladiador II, através de um roteiro repleto de artifícios óbvios para seu desenvolvimento, é uma obra que exalta heróis privilegiados, de moral irrepreensível, em períodos históricos escravocratas. Assume um lado caricato e até fantasioso que, por si só, manteriam o filme numa cafonice e previsibilidade intencionais que o levariam para um lado interessante e que divertiria por seus absurdos. Nas lutas, insere animais de origem duvidosa, como babuínos meio vampirescos, meio lobisomens, e tubarões em plena arena, criados por um CGI que não intenciona qualquer naturalidade, que de tão bizarros trazem uma atmosfera brega e um tanto cômica, mas que é quebrada pela predominância de uma seriedade e heroicidade que o filme busca manter. Essa dualidade soa como uma dança um tanto desequilibrada entre seus abusos e sua sobriedade. 

Ao não assumir completamente a insanidade que propõe, Gladiador II causa não só o já destacado desequilíbrio estilístico, mas, consequentemente, uma notória discrepância nos tons de atuação, algo que oscila entre a loucura e o heroísmo exacerbado que não consegue encontrar um ponto unificador. Até Denzel Washington, cuja interpretação relaxada e fluída lhe é tão característica, soa um tanto desconfortável, e ainda assim, ele é o que ali há de melhor, tanto pela qualidade usual de seu trabalho, como por desempenhar o personagem mais interessante do longa.

Para além de toda bagunça de tons e da total falta de interesse de Ridley Scott em imprimir novas roupagens a uma narrativa ressuscitada depois de 20 anos, o que mais incomoda em Gladiador II, e que causa a impressão de que estamos assistindo a uma obra ultrapassada, é sua insistente moralidade. Se o personagem de Paul Mescal começa como Hanno, um soldado que é escravizado e precisa lutar por sua liberdade, logo depois abandona toda sua revolta para assumir-se Lucius, o herdeiro legítimo do Império Romano, o salvador que tirará o povo faminto das mãos dos tiranos afeminados (muito problemático como ele trata a sexualidade dos irmãos como doença). O diretor deixa claro que os espaços de poder só são ocupados por aqueles que já detém o direito sanguíneo de ocupá-los, pelos privilegiados que precisam recordar seus privilégios. Se havia qualquer esperança de revolução no personagem de Washington, ele mesmo ex-escravizado ascendido aos postos de comando, Scott o coloca justamente como o oposto do herói, exterminando qualquer possibilidade palpável de mudanças governamentais ou de elevação de classe social.  

Levar-se a sério demais e ao mesmo tempo reforçar piadas estereotipadas e no mínimo, complicadas – a imitação de macacos na presença de atores negros, por mais que direcionada ao personagem de Paul Mescal, soa racista – causam desconforto imediato e estranheza no pior dos sentidos, o que só colabora para que a ausência de unicidade do filme se sobressaia. Tudo parece um grande capricho de um diretor poderoso e privilegiado o suficiente para construir universos por ele idealizados. Embora grandioso e abastado, recheado de estímulos de violência e jornadas de redenção, Gladiador II esbanja tudo em excesso, quer comunicar muito, sem ter, de fato, nada de interessante a nos mostrar. É apenas um filme embaraçoso, sem vida e sem alma.

Nota:

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