Dreams (Sex Love) | 2025

Dreams (Sex Love) | 2025

Há algo sobre a adolescência que, no decorrer de nossas vidas, passamos a banalizar, talvez, como forma de autoproteção. A intensidade e a ebulição causadas pelas emoções exacerbadas, a entrega que faz misturar as sensações do corpo às dores e pulsações da alma, vão perdendo-se gradativamente ao ponto da indiferença da vida adulta, para encontrar, em nossos corpos idosos, um anseio pela experiência desse mesmo latejo, e, via de consequência, um desejo por aquilo que não foi vivido. Esse complexo cruzamento geracional, a adolescência que se encontra com a vida adulta e a terceira idade, se dará, nas mãos de Dag Johan Haugerud, através da transmissão desse vigor entre três mulheres, filha, mãe e avó, da mais jovem para a mais experiente, num fio proporcionado pela escrita sobre as fantasias, aflições e maravilhas de se apaixonar pela primeira vez.

Johanne (Ella Øverbye), é a protagonista-narradora, a adolescente que sente seu corpo mudar e arder desde que vê sua nova professora pela primeira vez. A potência elevada daquilo que sente logo se torna uma fantasia, tão doce quanto sexual, uma obsessão saudável e inevitável da jovem que idealiza e deseja essa mulher mais velha, que modula cada ato de sua rotina para encontrá-la, que interpreta cada fala e cada olhar com um sentido que, provavelmente, só existe em sua imaginação. A urgência de não deixar morrer algo tão pessoal a faz escrever sobre sua história – ou, ao menos, o seu ponto de vista. Com inspiração diretamente referenciada em Little Women, o diretor transforma a adolescente em escritora de uma espécie de obra prima romântica e erótica, um relato voraz cuja ideia de publicação em livro vai partir não dela, mas de suas matriarcas.

Dreams (Sex Love) completa a trilogia criada pelo diretor com os anteriores Sex e Love, ambos de 2024. Tal como em Sex, Dreams vai abordar as consequências da experiência de instintos e da humanidade de seus personagens, lá, como entrega-se pelo título, o sexo, aqui, as fantasias do amor adolescente. Enquanto em Sex ele lida com sentimentos masculinos de percepções da homossexualidade na vida adulta de forma divertida, seu novo filme vai aproveitar-se da delicadeza afetuosa e da melancolia dos sentimentos púberes, trazendo a descoberta de desejos puros sem rótulos ou denominações.

Dag Johan Haugerud sabe bem equilibrar diálogos ágeis e irônicos em situações rotineiras com toques de fantasia precisos, que confundem o espectador a respeito da realidade dos acontecimentos. O desabafo escrito de Johanne vai acender, inicialmente, em sua avó, uma poeta a quem ela primeiro mostra suas 95 páginas, e em sua mãe, a quem ela se vê forçada a compartilhá-las, algumas preocupações, tendo em vista o detalhismo e erotismo presentes no texto. A jovem descreve com riqueza o corpo de sua professora, e revela ter experienciado momentos de intimidade com ela. Entretanto, a dúvida sobre a realidade de tudo surge com a consciência da capacidade fantasiosa e habilidade de escrita da adolescente, que intencionou, ali, dar vazão ao turbilhão de pensamentos. O que é realidade e o que é fantasia juvenil de um ser em formação sexual?

Os momentos fantasiosos, diga-se, são sensivelmente trabalhados pelo diretor, que capta a doçura e avidez dos sentimentos da personagem de Ella Øverbye para com sua professora, dando a nós, imageticamente, o ponto de vista de seu olhar. O instante em que ela se apaixona nos faz contemplar, em close, a professora belamente iluminada pela luz solar, sorrindo, a câmera em destaque de sua expressão gentil e autêntica e seus lábios sorridentes. Johanne narra seu prisma, imaginando o toque da lã sob a pele de sua amada, enquanto o diretor faz sua câmera próxima da blusa que toca o pulso da professora com uma sensualidade gentil. No auge da imaginação, Dreams é totalmente anticlimático e nos vai remeter há tempos depois, quando a história já foi escrita e Johanne amarga seu amor não correspondido, como se obrigando-nos a acordar do sonho juntamente com ela.

A fantasia, porém, não se limita à jovem. Sua avó e sua mãe, após se recuperarem da surpresa ao acessarem os pensamentos da garota, logo se veem interessadas pela sexualidade da escrita, tendo, elas próprias, suas particulares fantasias. A mais jovem faz nascer nas mulheres que a precederam em geração uma nova energia, simbolicamente as colocando na subida de uma longa escada, como em busca de algo que estão desejosas por alcançar. Dreams cria, especificamente para a avó, cujo corpo encontra as limitações da idade, uma fantasia de arrependimentos e anseios que, não havendo possibilidade de serem fisicamente concretizados, o podem ser através da escrita.

Ah, as dores de se amar na adolescência! O exagero de se ficar doente de amor! Dag Johan Haugerud, com uma sensualidade nada apelativa, mas sim, pura, afetuosa e melancólica, faz elevar o vigor que a maturidade cruelmente nos faz esquecer. O amor não correspondido pode ser penoso, o desejo pulsante que não se vê alimentado é desesperador, mas recordar que somos capazes de senti-los é realmente vivaz – e nada como o cinema e a literatura para nos permitir experimentá-los.

Nota:

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