What Does That Nature Say To You | 2025

What Does That Nature Say To You | 2025

É curioso que a primeira palavra que me surja ao pensar no cinema de Hong Sang-soo seja, justamente, ousadia. Marcando presença, pelo segundo ano consecutivo, na mostra competitiva da 75ª Berlinale, o diretor, muito consciente de que seu status autoral consolidado o permite bater de frente com produções bem menos modestas que as suas, não teme ousar debochadamente ao trazer, uma vez mais, uma obra cuja qualidade imagética seria considerada amadora não fosse característica (e propositada) de muitos dos seus trabalhos. A baixa qualidade proporcionada pela câmera digital e o gradativo desfocamento de What Does That Nature Say To You vão bem representar a própria situação de Donghwa (Ha Seongguk), um jovem poeta que conduz sua namorada, Junhee (Kang Soyi) até a casa dos pais, sem imaginar que um simples convite para conhecer a casa, que o impressiona pelo tamanho, se tornaria o dia em que ele conheceria a família dela, e essa, as pretensões e a adequação dele como parceiro ideal da filha.

Hong Sang-soo é mestre do humor extraído das situações constrangedoras. O humor é tão sutil quanto seus filmes. Surgirá de conversas em planos longos que não se desenvolvem, de figuras que acenam com a cabeça e não sabem o que dizer um ao outro, de diálogos tímidos e silêncios desconfortáveis. Em What Does That Nature Say To You os personagens são menos inocentes do aparentam ser, e a comédia tomará rumos levemente amargos e dramáticos após um dia todo regado a álcool, comida e boas doses de makgeolli, um vinho de arroz típico da Coréia, que, tal como em A Traveler’s Needs (que integrou a competitiva da 74ª Berlinale), tomará a vez do soju como bebida responsável pelo relaxamento, e, via de consequência, colabora para que atinjam um conforto perigoso e passem a ser, em níveis gradativos, sinceras demais.

Donghwa conhece, no mesmo dia, a casa, os jardins, o pai, a mãe e a irmã de Junhee, com quem namora há três anos, ainda que não seja essa a aparência, visto, a uma, tratar-se da primeira interação dele com a família, e a duas, ser duvidosa a intimidade do casal. O primeiro relacionamento a ser atravessado é, seguindo a regra das famílias tradicionais e heteronormativas, o do pai, que, logo que o conhece, faz menção ao carro antigo que possui o jovem. O que soava como um comentário crítico e uma conversa travada a respeito, se torna um pedido do patriarca para dar uma volta com o veículo. O pai, Oryeong (Kwon Hae-hyo) é o primeiro elo que o poeta consegue firmar com a família da namorada, o que parece muito promissor, já que, costumeiramente, ele seria o maior obstáculo a ser enfrentado nesse inusitado e inesperado encontro.

É acompanhado da figura patriarcal que Donghwa vai conhecer a área externa da grande residência, herança da avó paterna de Junhee. Eles caminham por galinheiros, bonitas paisagens com montanhas ao fundo, fumam juntos, enquanto o diálogo entre eles vai permitindo que o sogro conheça, aos poucos, o genro. Eles discorrem sobre amor filial, o amor incondicional que o pai sente pela filha, e traçam, ainda, um suave embate geracional de masculinidades, ao falarem sobre bigodes, e sobre como a barba remete à ancestralidade masculina. 

Paralelamente, e essa será a única vez que o Hong Sang-soo utilizará esse recurso de montagem em What Does That Nature Say To You, Junhee adentra a casa, de modo que vamos conhecendo o imóvel e seus cantos de forma gradativa, para conversar com sua irmã, que será, aqui, o ponto de instauração do conflito do longa. Neunghee (Park Miso) vai instigar reflexão em Junhee a respeito de sua relação com Donghwa, sondando a ideia de casamento e questionando a existência do amor entre eles. Inquirir a irmã não bastará: ela levará seu interrogatório e confrontará o cunhado durante as refeições que eles, a partir dali, passarão a partilhar.

Sang-soo transforma os quase imperceptíveis testes a que Donghwa vai sendo submetido vão encontrar seu ápice em discussões sobre a agência do capitalismo na vida individual e familiar. O que fundamentalmente vai ser debatido durante o almoço, compartilhado entre irmãs e cunhado, e depois, no jantar, compartilhado por toda a família, é a revelação que o jovem faz sobre o objetivo de viver com o que tem, como se o dinheiro não fosse um fator importante de sobrevivência. Sendo ele filho de um advogado importante no local, é confrontado por Neunghee sobre as facilidades de fazer concretizar uma vida, em teoria, simples e regada à poesia, quando há a quem recorrer em caso de necessidade. A decepção, e portanto, o julgamento, é culminado quando, da declamação de um poema seu, se compreende pela falta de talento do jovem, principalmente, pela mãe, Sunhee (Cho Yunhee), que também é poetisa.

O excesso de bebida (e comida) e exaltação de ânimos vai fazer as mulheres da casa colocarem, momentaneamente, os homens para uma soneca. Após a soneca, Donghwa vai perambular pelos jardins da casa, no escuro noturno, quando torna-se mais evidente o desfocamento da imagem: o personagem se perde, se lesiona, parece não compreender o que se sucedeu, permanece alheio dos julgamentos pelos quais passou. A divisão de What Does That Nature Say To You em oito atos, números que são lançados na tela de forma totalmente anticlimática (antes de adentrar, bruscamente, o número 8, estamos assistindo a um lindo pôr-do-sol), pode bem representar a gradação dos acontecimentos que vão só confirmar que, naquela residência enorme, o jovem poeta equivoca-se em muitos momentos, mas permanece blindado por uma certa inocência – típica dos poetas, e, sejamos honestos, típica daqueles que podem se permitir pensar em viver uma vida fora do capitalismo.

Nota:

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