Walls – akinni inuk | 2025

Um documentário que se congela
A Groenlândia talvez ainda seja, para muitos, um mistério. Por mais que, recentemente, o território tenha aparecido nos noticiários, após Donald Trump manifestar intenção de anexá-lo aos Estados Unidos, é difícil imaginar como é a vida por lá, com temperaturas que chegam a -50ºC e sol de 24h durante o verão. Fato é que cerca de 60 mil pessoas habitam o lugar, que desde o século XVIII faz parte do reino dinamarquês. Essas especificidades geopolíticas acabam por levar a população a outros problemas que são, ainda, de menor conhecimento para quem é de fora. Walls – akinni inuk, documentário de Sofie Rørdam e Nina Paninnguaq Skydsbjerg, propõe uma investigação sobre o sistema penal da ilha a partir de Ruth, mulher presa que aguarda uma sentença há 12 anos devido a divergências jurídicas entre a Groenlândia e a Dinamarca.
No início, com a ideia de mostrar a prisão por dentro, captar depoimentos e disponibilizar câmeras para que os próprios detentos e detentas se filmem no dia-a-dia (pretexto que nos lembra o ótimo documentário brasileiro O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento), as diretoras mudam seu trajeto ao conhecerem Ruth, que, então, se torna personagem principal do restante da projeção. A diretora Nina Skydsbjerg logo cria um laço fraternal com ela e se insere também como personagem. O protagonismo passa a ser das duas mulheres que, aos poucos, revelam-nos convergências entre suas histórias.
Ruth está presa por ter matado um homem que a abusou sexualmente. Nina carrega o trauma de também ter sofrido abuso na juventude e, ainda hoje, convive com a impunidade de seu agressor. Walls – akinni inuk muda seu eixo do sistema penal groenlandês para a relação de sororidade entre as duas, que fica ainda mais intensa após Skydsbjerg perder sua mãe durante as filmagens e ver em Ruth não só a fraternidade, mas a maternidade.
Quando a câmera está dentro da prisão, mostra as conversas entre as duas personagens e raros momentos em que Ruth se filma sozinha, como era o projeto inicial do documentário. Do lado de fora acompanha os passos da diretora, que visita o túmulo da mãe, vai para a academia e adormece no sofá de casa. Fica evidente que as duas se impactam mutuamente, Ruth com o alento a seu exílio e Nina com a superação do luto, mas é a partir daqui que as coisas se desequilibram. As cineastas acabam se “esquecendo” de Ruth para focar no sofrimento de Nina, que, muitas vezes, usa as entrevistas como sua psicanálise.
Obviamente as duas histórias são dignas de serem contadas, mas, no sentido narrativo, torna-se um desvio muito grande, até mesmo em termos éticos com relação ao “objeto” apresentado no início do filme. A ideia dos muros que aprisionam as mulheres na sociedade, ora se rebelando e se tornando real (dentro da prisão), ora como trauma que é silenciado, não ganha força para constituir esse novo “objeto”. Isto parece ser percebido pelas diretoras quando, apressadamente, retornam ao tema jurídico no último ato, tirando Nina da passividade e a colocando como apoiadora ativa no processo de liberdade condicional que Ruth tanto almeja.
Walls – akinni inuk, que venceu o prêmio NORDIC:DOX no Festival Internacional de Documentários de Copenhague, frustra por não saber lidar com a grandeza de seus temas, embaralhando-os e desequilibrando-os, mas não deixa de ser uma obra que nos desperta o interesse por esse território “esquecido pelo mundo” (exceto quando se trata da exploração de minérios) e por políticas punitivas que refletem a estrutura machista da sociedade.