Não Sou Eu | 2024

Um Monsieur Merde em cada um de nós
Um museu francês encomendou ao cineasta Leos Carax uma obra de arte que respondesse visualmente à pergunta “onde está você?” Para um artista, esta questão não trata meramente de uma localização geográfica e, principalmente para Carax, também não se limita a seu posicionamento no panteão artístico. Na verdade, é a impossibilidade de resposta que aflige o diretor e se transforma em matéria-prima de Não Sou Eu. Ele se coloca como um de seus personagens: alguém perdido em um mundo sem lógica buscando encontrar-se consigo mesmo.
Com pouco mais de 40 minutos, temos uma jornada introspectiva por Carax, que fala de suas referências, de seus filmes, de suas angústias como pai e com o futuro do cinema e da humanidade. São elementos que o compõem, mas que nunca chegam de forma racional, pelo contrário, o sonho é sua ferramenta já há muito tempo, ao longo das mais de quatro décadas produzindo imagens. Aqui, muito por conta da proposta e pela maturidade e reconhecimento de seu trabalho, há uma liberdade maior que o permite uma experimentação narrativa e poética.
Montado, na maior parte do tempo, com cenas de arquivo, Não Sou Eu é a fragmentação identitária de seu artista, este que se faz a partir de seus filmes, que, por sua vez, refletem sua visão de mundo, inevitavelmente influenciada por sua história. Ora o menino sonhador marcado pelo antissemitismo que perseguiu sua família, ora o pai que traz consigo o medo e a responsabilidade da paternidade, Leos Carax é também alguém que descobriu o cinema como uma janela infinita, um espaço para que suas aflições e esperanças saíssem para fora.
Em meio a estas angústias está uma questão ontológica sobre o cinema, algo que o diretor já apresentava em Holy Motors (2012): qual é a essência da imagem cinematográfica? Para Carax, manipular uma câmera parece ser uma modelagem do tempo, como diria o filósofo Gilles Deleuze, a ruptura com qualquer cronologia habitual que nos leva a outra forma de perceber a existência. Num mundo tão poluído e repleto das mais variadas formas de violência, a sétima arte é, então, resistência contra o imediatismo da realidade. Mas, por outro lado, ela também tem se esvaziado, vem perdendo espaço para uma vida cada vez mais acelerada, onde a imagem é consumida apenas em sua superfície. Seria o fim do cinema?
Não Sou Eu são várias perguntas que não se prendem à subjetividade de seu criador, mas trazem o caos inerente a qualquer ser humano inquieto. Existir é, justamente, essa inquietude de alguém que nunca é, porque nunca está finalizado, assim como Leos Carax, impossibilitado de responder onde está, pois já não está mais. O que importa é a questão, é desacelerar, ou piscar, como ele diz no filme, para, então, vermos a beleza em sua plenitude.