A La Sombra de La Luz | 2023 | 17ª Cine BH

A La Sombra de La Luz | 2023 | 17ª Cine BH

Por Francisco Vidal

A relação entre luz e escuridão é o princípio motor do documentário observacional chileno A La Sombra de La Luz, dirigido por Isabel Reyes e Ignacia Merino. O filme se passa na pequena comunidade rural chilena de Charrúa, um vilarejo que vive sob a sombra de uma grande usina de eletricidade, mas que sofre constantes apagões e quedas de energia. Uma contradição que o filme expõe com o uso de voice-over de representantes desta comunidade, enquanto a câmera realiza um panorama de 360 graus sobre o monstruoso, porém morbidamente fascinante, complexo industrial que traz luz para milhares de regiões chilenas. 

O foco inicial de A La Sombra de La Luz é um menino da comunidade, que na primeira cena está em uma caça noturna por coelhos enquanto se utiliza de uma pequena lanterna no meio da vasta escuridão da floresta, e um dos jogos principais do filme se apresenta nesta pequena cena: a forma como pequenos lampejos de luz dentro de um plano escuro se transformam em figuras quase abstratas, e a presença de apenas um elemento iluminado no cenário homogeneamente escuro cria uma espécie de motif visual do filme.

O longa é composto de uma série de vinhetas que estão menos interessadas em formar uma linearidade narrativa ao redor dos habitantes do vilarejo, mas em criar uma imersão observacional investigando como é o relacionamento entre natureza e tecnologia, indústria e comunidade, entre a composição natural do seu ambiente e a forma de como ele é alterado e destruído para que fontes energéticas sejam extraídas. 

Há uma alternância entre a abstração visual, pelo uso do infravermelho e da visão noturna nas câmeras de segurança da usina, com os habitantes da comunidade e os seus diferentes usos da eletricidade: O DJ do rádio comunitário, o caixa eletrônico de um supermercado, os lares com suas janelas iluminadas no meio da escuridão. A La Sombra de La Luz mantém um ritmo irregular entre este estilo mais observacional da comunidade, remetendo a estética dos documentários de Frederick Wiseman, com planos fixos da natureza e da usina, com a sensação que os dois formatos ao mesmo tempo que se complementam de forma lógica, acabam anulando sua força individual. 

Em uma melancolia crescente, o filme compara as maneiras de existência natural da luz, seja pelas estrelas ou pelo brilho do sol na lua, com a forma como  o ser humano a cria com suas próprias ferramentas a partir de uma lógica de decomposição. Há um match-cut um pouco óbvio, mas eficiente, entre a cena em que o menino do início do filme corta uma árvore pequena com uma pequena faca, em um plano de um caminhão que transporta restos de árvores cortadas para que a usina consiga construir novas torres ao redor. Um impulso natural da criança se transmuta para um sistema inteiro que irá definir toda a estrutura do homem com a natureza. Apresentando elementos informativos, como a voz off de representantes comunitários denunciando as quedas de energia ao longo dos meses, A La Sombra de La Luz tem sua maior força quando se contenta em ser uma exploração visual da imanência estruturante da usina dentro do vilarejo e nas cenas do menino semi-protagonista, quando não tenta explicitar de forma clara suas intenções, e em vez disso cria uma ambiência sensorial bela e melancólica. A beleza da natureza e da luz dos cosmos com o fascínio mórbido das tentativas contínuas e sistêmicas do homem de desestabilizá-la.

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