Mamonas Assassinas: O Filme | 2023

Mamonas Assassinas: O Filme | 2023

Mamonas Assassinas foi um estouro repentino e absoluto que dominou o Brasil pelo curto período de oito meses. Estavam presentes nos principais programas da TV aberta dos anos 90, as tais atrações politicamente incorretas e duvidosas que surfavam na onda sem limites pós-ditadura. O trágico fim dos garotos foi amargamente sentido a nível nacional. Perder talentos jovens demais que sequer tiveram a oportunidade de respirar o sucesso que faziam é triste de uma forma indizível.

Com um único disco, mesmo as gerações mais novas conhecem os Mamonas Assassinas. As tão conhecidas canções reverberam e mantêm vivos os jovens, e é raro que haja quem nunca tenha gostado, em algum momento, de curtir “Pelados em Santos”. Portanto, existe um saudosismo muito forte realmente incutido nos viventes da década de 90 em diante.

Em 2016, surgiu O Musical Mamonas. Dirigido por José Possi Neto, o espetáculo fez descobrir Ruy Brissac como um Dinho perfeito. Do sucesso do musical, a ideia de um filme, e Mamonas Assassinas: O Filme deu à Edson Spinello, diretor de novelas da Globo e mais conhecido por Malhação, a oportunidade de transpor a história e o sucesso dos meninos de Guarulhos para as telas de cinema.

Parece haver, nessa produção, uma confiança excessiva. Confia-se que o grande sucesso da banda e a nostalgia que a mantém viva seria um permissivo ou mesmo uma garantia de que todo e qualquer outro projeto sobre será bem recebido, e essa certeza parece significar que um certo empenho para que mantenha-se uma qualidade artística aceitável seja dispensável. Um disco é um disco. Um teatro-musical é o que é. Um filme, portanto, é outra coisa diferente das demais. Edson Spinello não compreendeu o que tinha em mãos como missão e não soube fazer o que era esperado, ou seja, fazer cinema. E talvez não se importe com isso mesmo.

Mamonas Assassinas: O Filme nem parece um filme. Parece alguma outra coisa ainda a ser terminada, tamanha sua desorganização e estrutura de retalhos que não apresentam liga alguma. Poderia ser um clipe legal e bem-sucedido caso se limitasse às cenas musicais e não quisesse ser filme. Mas quis, e esse foi seu grande erro.

Quando assistimos à estreia de Mamonas Assassinas: O Filme na CCXP 2023, o diretor, ao ser questionado sobre as inspirações para o projeto, trouxe algo como a intenção de resgatar o politicamente incorreto de Mamonas Assassinas para que seja melhor refletido nos dias de hoje. Foi uma declaração um tanto estranha, e que ficou mais bizarra ainda após a experiência fílmica. Spinello traça de forma linear a história de vida de Dinho, Bento, Júlio, Sérgio e Samuel e de suas trajetórias como banda, e tudo que está ao redor deles é uma representação estereotipada de pessoas e circunstâncias, que no início até soa inocente, mas torna-se gradativamente incômoda: as famílias, as mulheres, o empresário, tudo é construído da forma mais negativamente preconcebida possível.

Em Mamonas Assassinas: O Filme, mulheres ou são troféus a serem conquistados e facilmente descartados, ou são vilãs que querem manipular homens, jogá-los uns contra os outros e causar o fim da banda. A família sempre será aquela que nunca acredita nos filhos, e que depois do estouro, dá direito a cenas constrangedoras de um pai arrependido e um filho que precisa sempre se provar, como uma novela de péssima qualidade. O empresário é aquele homem branco, rico e paternal que investe tudo na banda, vive no telefone e possui uma esposa (troféu, claro) para ficar de biquíni ou roupas sensuais e levar-lhe documentos que precisam ser assinados por ele, pessoa tão importante. Sim, esse é o nível vergonhoso do roteiro.

É um caminho esperado que o protagonismo de Mamonas Assassinas: O Filme fosse de Dinho, vivido pelo super carismático e realmente ótimo Ruy Brissac, cuja semelhança com o vocalista é espantosa. Entretanto, a distribuição de importância dos demais membros da banda é nitidamente desproporcional. Bento, por exemplo, mal tem falas, e a diferenciação do tempo de tela dos personagens é tão gritante que incomoda.

Soa explícito e ingrato que o legado de Mamonas Assassinas tenha se transformado somente numa máquina de gerar dinheiro, como parece, tamanho o descompromisso cinematográfico deste projeto. Infelizmente o diretor se apega totalmente na nostalgia e no carisma de Ruy Brissac para entregar um clipe misturado com um dramalhão horrível, estereotipado e machista. Porque filme, de fato, não é.

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