Black Tea | 2024

Black Tea | 2024

Aya (Nina Mélo) é uma mulher prestes a se casar, mas que decide dizer “não” no ponto crucial de seu casamento. Ela deixa a Costa do Marfim e parte para uma nova vida na China, onde africanos da diáspora e a cultura chinesa coabitam. A protagonista começa a trabalhar na casa de chás de Cai (Chang Han), que lhe ensina sua arte ancestral, fazendo com que a troca que ocorre entre eles cresça a ponto de fazer nascer um sentimento mais profundo.

Abderrahmane Sissako, indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional por Timbuktu, realiza Black Tea com extremo rigor e cuidado estético, com evidentes inspirações em Wong Kar-Wai. Cada plano é racional e de beleza ímpar. Os contrastes entre a cultura africana e a chinesa são impressos nas cores, nos ambientes, nos detalhes dos figurinos que se compõem com os espaços e enquadramentos. Mas tudo se esvazia e soa fora de proporção ante a proposta narrativa que remanesce, e no seu decorrer vai tornando Black Tea estranho, com diálogos que beiram ao vergonhoso, e uma falta de alma que entristece o espectador.

Nina Mélo é uma potência. A introdução de Black Tea é tão vigorosa e significativamente feminina que parece até desconectada do restante. Há uma bonita afronta ao casamento como instituição obrigatória, e Sissako nos mostra um casal notoriamente infeliz, com uma noiva (Aya) evidentemente incomodada, como lemos em seu semblante quando posa, à contragosto, para uma fotografia. O casamento em questão é comunitário, e o vestido branco das noivas presentes faz um bonito contraponto com as roupas coloridas dos convidados. O espaço do casório, cujo altar é enfeitado por pombinhas pintadas na parede, é fechado por grades, e o diretor posiciona a câmera atrás delas com um simbolismo evidente, porém forte e bem colocado. Sabemos que o “não” daquela mulher a libertará dessa prisão.

Tudo começa a desandar quando somos deslocados dali para acompanharmos a jornada de Aya, livre, em outro país. Que país é esse? Custa a nos situarmos geograficamente. A protagonista caminha por um ambiente interno que parece ser uma espécie de galeria de lojas, onde estabelecimentos africanos e (vamos descobrindo) chineses se encontram. Todos a cumprimentam e gostam de sua presença. Mas o que ela faz além de vagar por entre esses lugares, e conversar obviedades com as pessoas que encontra?

Até chegarmos à casa de chá de Cai, já estamos completamente perdidos. Podemos apreciar o cuidado estético do diretor e sua inventividade em criar planos, passeando sempre com muita calma com sua câmera. Mas nada do que é dito por aqueles personagens é minimamente agradável. É possível se pensar que a proposta é mesmo a desse esvaziamento, para que a emoção e a sensibilidade sejam direcionadas às belas composições que Sissako faz, na expressividade das imagens e suas cores, no contraste entre pessoas negras de pele retinta e amarelas. Se era, não funcionou. Nenhum elemento funcionará sozinho.

Nada se faz possível sentir nesse misto de beleza e confusão. O tom do filme é sempre o mesmo no pior sentido possível, as nuances da história são mal colocadas e dificultam a compreensão, acontecimentos e situações são encaixados sem maiores explicações ou necessidade. O formalismo e a delicadeza da arte de se fazer e tomar chá são demonstrados por uma dinâmica mecânica, não natural. Sissako pode ter desejado essa falta de naturalidade, mas a péssima elaboração das relações não casam com essa ideia. A evidente desproporção entre a narrativa e a emoção que nunca vem, por mais que o filme force e fale de sentimentos o tempo todo, transforma Black Tea numa experiência, infelizmente, inócua.

Direção: Abderrahmane Sissako
Com: Nina Mélo, Chang Han, Wu Ke-Xi, Michael Chang
País: França, Mauritânia, Luxemburgo, Taiwan, Costa do Marfim
Assistido no dia 20/02, no Cinemaxx
Mostra: Competitiva

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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