Brizola | 2023

Brizola | 2023

Mais do que um emblema da política brasileira, Leonel Brizola, a única figura democraticamente eleita a governar dois estados diferentes, era persona non grata dos militares. Após o Golpe de 64, ficou exilado durante 15 anos, o maior tempo de exílio político de nossa história. Era uma verdadeira ameaça para os ditadores: líder do partido e movimento trabalhista e positivamente obcecado com a educação pública, tinha potencial enérgico para instigar mudanças e revoltas. Ao mesmo tempo que era temido por sua liderança, temia por sua vida quando regressasse ao Brasil.

Marco Abujamra deixa que o próprio Leonel nos conte sua história. Brizola, documentário exibido na Mostra “Estado das Coisas” do 29º É Tudo Verdade. Por meio de entrevistas concedidas pelo político a programas de relevância nacional, tal como o Roda Viva, ora seus trechos em imagem, ora somente em som narrado, Brizola nos é apresentado em formato clássico, de suas origens até sua morte. De infância agreste e rural, na cidadezinha de Carazinho, Rio Grande do Sul, sua mãe, que trabalhava para comer e alimentar os filhos, alfabetizou todos em casa. Especialmente ele foi mandado para a capital Porto Alegre para aprimorar seus estudos. Ainda estudante, filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), graduando-se engenheiro civil.

Brizola ganhou fama de guerrilheiro e radical da esquerda. Chegou a ser nomeado inimigo dos EUA por promover a desapropriação de uma empresa americana do ramo de energia para estatização. Quando o Golpe dava seus passos, Brizola não hesitou ao propagar mensagens de resistência e antifascismo nos rádios, estimulando protestos e levando pessoas às ruas. É assustador como os ciclos políticos se repetem, e como precisamos ser constantemente lembrados sobre eles: antes de 64, a propaganda anticomunista, a imposição de um temor por uma “ditadura da esquerda”, de um “comunismo ateu” que violava os valores da família, é o que fortaleceu os milicos, alienação popular que facilitou o Golpe. Abujamra intercala as entrevistas de Brizola com imagens de protestos, do povo na rua com cartazes anti e pró-fascismo, e dualismos tão conhecidos por nós, como desordem versus ordem, corrupção versus liberdade, confundem a cabeça do brasileiro.

O tempo de exílio de Brizola é pintado quase como um retiro, período em que ele se desencanta de seus princípios e propósitos, e se torna um homem do campo no Uruguai, no que ele mesmo chama de laborterapia. Foi expulso do país latino-americano, sendo recebido nos Estados Unidos e depois em Portugal.

Brizola nos é apresentado como amigo dos artistas e músicos, do samba, como pessoa próxima e aliada de Abdias do Nascimento e do movimento negro, como grande propagador anti-capitalista selvagem. Com seu retorno à terra-mãe, foi eleito Governador do Rio de Janeiro, e promoveu os CIEPS, centros de educação e cultura em tempo integral situados nas periferias e favelas, que, do que se mostra, revolucionou o sistema de merendas nas escolas brasileiras, e foi alvo de muitas críticas, principalmente de Roberto Marinho e sua estrutura Globo, porque tratava-se de um projeto caro e voltado para os mais pobres. A destruição dos CIEPS e a derrota do brizolismo teriam dado azo ao que se tornou o Rio de Janeiro dos dias atuais, extremamente repressivo, militarizado e violento.

Ao mesmo tempo em que essa figura fascinante e tida como revolucionária nos é mostrada com um heroísmo que permeia todo o longa, após a queda dos militares e a promulgação da Constituição de 1988, Brizola torna-se um político que se aproxima de Fernando Collor e vai contra seu impeachment, e das muitas motivações que moveram a destituição do ex-presidente, atribui uma delas ao poder de Roberto Marinho e sua ideia de acabar com os CIEPS, que Collor teria prometido manter. Essa aproximação finda por apagar Brizola e o brizolismo, que gradativamente vai derretendo e perdendo a importância que outrora possuía. 

Abujamra usa de uma estrutura biográfica segura, direta e protocolar, e, entre entrevistas e imagens de arquivo repetidas, silencia momentos e dá lentidão às imagens para causar um impacto que não traz, exatamente, muitas sensações. É difícil, na realidade, compreender o quê ele deseja sensibilizar com tais pausas. Falta algum tipo de substância, de robustez à Brizola, que acaba soando muito mais propagandista do que aparenta querer ser. Traz especialistas em ciência política, políticos brasileiros e também o atual presidente do PDT (Partido Democrático Trabalhista), fundado por Brizola, para falar sobre ele, exaltando-o mais pelo que ele poderia ter sido do que realmente pelo que foi. No fim das contas, o vigor que é atribuído de sobra à figura política falta ao filme.

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